O ódio é uma musiquinha em looping que açoita nossos ouvidos e nos impele a agir. Esse sentimento acaba por bloquear nossa racionalidade. Raivosos, falamos e compartilhamos toda ordem de impropérios, mesmo sem querer. O instinto de ação vem de uma conexão entre a amígdala cerebral, responsável pelas emoções, e o neocórtex, o campo do cérebro que cuida do poder cognitivo e a capacidade que temos de raciocinar. Quando o primeiro dispara mais sinais nervosos para o segundo, há o ambiente perfeito para que a razão ceda lugar à emoção.
Essa é uma abordagem neurobiológica que explica o que está acontecendo no Sul do país. Nada que tenha relação com os aspectos meteorológicos ou com a falta de políticas públicas habitacionais que, por exemplo, poderiam ter evitado as mais de 100 mortes e as mais de 130 pessoas desaparecidas. O mar de emoções provocado por essa enchente é ainda mais aterrorizante.
Nas redes sociais, travou-se uma tenra disputa entre direita e esquerda, voluntários e Estado. Guerra de narrativas. Fake News tomaram o território devoluto que é a internet e ganharam até mesmo a imprensa oficial, que errou ao não confirmar os boatos. Guerra digital. Um sem-número de mensagens odientas contra o Estado partiram de voluntários e da direita organizada, enquanto parte da imprensa oficial passou a defender o trabalho do governo federal. Guerra cultural.
Politizaram uma tragédia. Vivemos tempos realmente oblíquos. Houve um tempo, não muito distante, até ali pelos idos de 2008, em que a moderação política andava de mãos dadas com o crescimento econômico. Personalidades histriônicas eram ridicularizadas e rejeitadas pelo eleitor. Partidos de direita e de esquerda caminharam para o centro e se alternaram no poder durante quase quatro décadas.
Há um enorme contingente de blogueiros e influencers se voluntariando, o que é ótimo e reverencioso. Mas, no mundo do capital em que vivemos, uma grande parte dessa massa digital burila a própria imagem, agora mais humana e palatável à apreciação de seus seguidores.
Especialistas passam o dia inteiro nos telejornais, explicando as condições do tempo e a inação política que colaborou com a tragédia. Do ponto de vista da observação do passado para que não se repita no futuro, tudo muito bom, tudo muito certo. Mas se olharmos da perspectiva do presente, pouco ajuda. São centenas de milhares de desabrigados, entre pessoas e animais. A economia do país inteiro pode ser afetada pela baixa na produção agrícola (o Rio Grande do Sul é o maior produtor de arroz) e na pecuária (um dos maiores produtores de gado de corte). Sem contar a reconstrução de quase um Estado inteiro, que hoje, e talvez pelos próximos 30 dias, vive debaixo de água, cuja fotografia nos remete a uma Veneza ou à tenra e sucumbida Atlântida. Enquanto isso, umas guerras se sobrepõem a uma outra: a pela sobrevivência.
Tristes tempos estes em que a dor serve como estratégia de guerra entre grupos que deveriam se unir para reconstruir e de marketing, para aqueles que entendem a tragédia humana e coletiva como forma de garantir seus caprichos individuais.
Tu não faz ideia do que seja Guerra Cultural.
Sugiro, primeiro, que leia o meu livro a respeito. Depois, que se informe melhor sobre o que acontece aqui. Se tua lente é a da grande mídia, então tua visão está deturpada.