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A responsabilidade não é da natureza

Ulrich Beck apresenta uma triste constatação: o século XX foi rico em desastres. É possível lembrar deAuschwitz, Nagasaki, Chernobyl, Guerras Mundiais, Bophal (considerado o pior desastre industrial da história), Basileia, crises econômicas, desemprego estrutural, ditaduras.  

O século XXI vem mantendo esse padrão: furacões (por exemplo: Katrina e Harvey); crises econômicas;terremotos (como o verificado no Haiti em 2010);tsunamis; ataques terroristas (como o ocorrido no World Trade Center); vazamentos de óleo (como o sucedido no Golfo do México); crises econômicas;desemprego estrutural; destruição ambiental (poluição do ar e das águas; aquecimento, derretimento das geleiras e aumento do nível do mar; desmatamento, esgotamento do solo e desertificação; mudanças climáticas; diminuição da biodiversidade; acumulação de resíduos, inclusive nucleares e no espaço);pandemia da Covid-19; guerras, embora mais localizadas, e muitos outros acontecimentos, aparentemente, tidos como naturais e inevitáveis.

O Brasil, apesar do mito fundador (Marilena Chaui), obviamente falso e muitas vezes falseado ao longo da história, alusivo a um momento passado imaginário, cuja representação é mantida viva pela manutenção de um sistema de crenças e com a formação de uma imagem extremamente positiva sobre nosso país, capaz de esconder inúmeras mazelas sociais, na realidade, é bastante abundante em desastres.

Nos últimos anos, no país, a título exemplificativo, verificaram-se: ditaduras; contaminação pelo Césio-137; poluição em Cubatão; vazamento de óleo na Baía de Guanabara (1998); vazamento de ácido sulfúrico no  Rio Grande do Sul (1998); vazamentos de óleo (P-36, 2001) e de petróleo na Bacia de Campos (2011); derramamento de óleo no litoral de Estados brasileiros, especialmente do Nordeste em 2019; crises econômicas e políticas; esquemas estruturados de corrupção; desastres do Rio Doce e Brumadinho; crise sanitária da pandemia da Covid-19; destruição ambiental; desemprego estrutural; mais de 7 milhões e meio de acidentes do trabalho, com quase trinta mil mortes (2012-2023).

Todos esses eventos podem ser caracterizados como desastres. Segundo o art. 1º, parágrafo único, V, da Lei n. 12.608/2012 (cujo teor institui a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil; dispôs sobre o Sistema Nacional de Proteção e Defesa Civil e o Conselho Nacional de Proteção e Defesa Civil e autorizou a criação de sistema de informações e monitoramento de desastres), desastre  é o resultado de evento adverso, de origem natural ou induzido pela ação humana, sobre ecossistemas e populações vulneráveis que causa significativos danos humanos, materiais ou ambientais e prejuízos econômicos e sociais.

Essa definição relativiza a concepção de desastres naturais. Praticamente todos os pretensos desastres naturais envolvem ações humanas capazes degerarem ou ampliarem os riscos e os danos, até porque as suas causas e ocorrências atingem o equilíbrio entre meio ambiente e vida humana.

Em um momento tão delicado e sofrido como odecorrente das inundações no Rio Grande do Sul (aqui registro minha irrestrita solidariedade a todas as vítimas e familiares), há ainda indicações (equivocadas) de que esse desastre é natural e inevitável por ser decorrente da natureza. A realidade é que a natureza responde às ações humanas (ilícitas e irresponsáveis) contrárias à sua preservação e convivência harmônica.

Na Era do Antropoceno, assim denominada devido àsalterações geradas no clima e na biodiversidade do planeta por nós, seres humanos, a proteção ecológica não é prioridade e está a serviço da razão econômica.

O Relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) da Organização das Nações Unidas (ONU), em 2023, concluiu que o aquecimento global é algo, no momento, quase inevitável, enquanto o Relatório da Organização Meteorológica Mundial da ONU (2023) constatou que os oceanos alcançaram recorde de calor, com a lembrança de que o ano de 2023, segundo Observatório Copernicus da Agência Espacial Europeia, foi o mais quente da história da humanidade, com 1,48ºC acima dos níveis pré-industriais. Por fim, o relatório Fechando a Torneira da ONU (2023) apontou que 100 milhões de toneladas de plástico de vida curta e uso único anuais são despejados sobre a Terra.

Esses dados, apresentados a título ilustrativo, apontam as causas dos desastres e os caminhos a serem adotados para amenizá-los.

Os supostos desastres ambientais foram e são gerados pela ação humana. Como medida urgente e inadiável, cabe alterar o modelo produtivo e os hábitos humanos com o escopo de compatibilizá-los com a preservação e a reconstrução ecológica. Do contrário, sem pretender ser escatológico, possivelmente, a cada período, lamentaremos mortes e destruição e remendaremos o que nos restou, com o receio de que mais à frente, talvez, nova onda destruidora nos desfaça.

Bruno Gomes Borges da Fonseca
Bruno Gomes Borges da Fonseca
Pós-doutorado em Direito pela PUC-Minas; Pós-doutorado em Direito pela UFES; Doutor e Mestre em Direito pela FDV; Procurador do Trabalho na 17ª Região; Professor da FDV; Professor do Programa de Mestrado Profissional em Gestão Pública da UFES; ex-Procurador do Estado do Espírito Santo

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