O professor Idelber Avelar é autor de um livro importante para entendermos o fenômeno bolsonarista no Brasil: Ele em Nós, que analisa todo o crescimento da onda que levou Jair Bolsonaro ao poder em 2018. O trabalho nos lembra que, antes do advento das grandes manifestações de 2013 e da subsequente onda de rejeição ao petismo, o ex-presidente era um deputado federal do chamado baixo clero, eleito pelo estado do Rio de Janeiro.
Nada de importante encontramos em sua atuação parlamentar, durante a qual fazia atendimentos clientelistas às famílias dos militares em questões ligadas, sobretudo, ao relacionamento com a burocracia do exército. Tinha, até então, uma prática tipicamente clientelista e nunca ocupou qualquer função que o destacasse na câmara dos deputados, em Brasília. Para a sua reeleição em 2014, porém, criou um novo personagem: inflamado, radical, portador do discurso de uma direita mais próxima ao modelo americano em voga no mundo. Acima de tudo isso, alcançou rápida popularidade o seu perfil de usuário extremado das redes sociais. O personagem deu certo: sua reeleição para o sétimo mandato pelo Rio de Janeiro se deu de forma triunfal, atingindo 500.000 mil votos, cinco vezes mais do que na eleição anterior, em 2010.
Ele passou a atuar nas redes sociais no novo formato da direita radical e sua presença foi se ampliando politicamente. Saiu de suas bases de voto militar no Rio de Janeiro para conquistar outras praças. Barretos, no interior de São Paulo, onde se faz uma grande festa do mundo do agronegócio, fez dele uma estrela. Foi o primeiro lugar onde brilhou fora do Rio de Janeiro. Com um machismo fake e tóxico – o do imbrochável, o do comedor voraz – sempre com base em declarações exageradas – conquistou esse eleitorado, que se ampliou para Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso e grande parte da região Norte, onde o mito da sua presença representava uma nova base eleitoral. Estava criado, assim, o agronegócio bolsonarista.
Outro contingente importantíssimo na construção da enorme liderança que levou Bolsonaro ao poder foram os evangélicos. Com eles a aproximação se deu pelas bases conservadoras de comportamento moral, associado ao mesmo machismo e à narrativa contra a corrupção, que naquele momento era um ponto fraco dos governos petistas. A adesão dos grandes pastores midiáticos como Silas Malafaia, Edir Macedo e RR Soares deu densidade eleitoral a essa aproximação e, desse modo, mais uma camada de eleitores aderiu ao fenômeno da eleição de 2018.
Para não ir mais longe, basta lembrar a bancada da economia, inicialmente apenas com a presença de Paulo Guedes, mas que deu muita legitimidade ao discurso liberal de Jair Bolsonaro. Discurso que – acredito eu –, em grande parte nem ele próprio entendia. Sua trajetória foi de servidor público militar a político, portanto, visceralmente vinculado ao estado, longe das teses liberais mais comuns entre empresários.
A manutenção desse leque amplo de alianças durante o mandato não foi tarefa simples. As grosserias ditas em nome do machismo ou da liberação das armas, por exemplo, certamente desagradaram as mulheres, de modo geral, e especialmente as mulheres evangélicas mais pobres, que sempre pagaram caro por esse tipo de atitude em suas vidas privadas. Mesmo assim Jair Messias se deu bem, até certo ponto, embora não de forma a garantir sua reeleição. Depois do 8 de janeiro de 2023 e de tudo o que se seguiu, a coalizão em torno de sua figura começou a implodir.
Os sintomas mais fortes da implosão estão claros nas ações do deputado Eduardo Bolsonaro, seu filho eleito pelo PL de São Paulo. Na coalizão bolsonarista Eduardo sempre articulou com o pai a porção mais virulenta, mais articulada com a extrema direita global. Com discurso mais agressivo que o do seu pai, e com temperamento tão difícil como o dele, transformou-se no discípulo mais fiel das ideias extremistas e ultrapassadas de Olavo de Carvalho.
Parece-nos que, com a atual inelegibilidade do pai, Eduardo pretende tomar a frente de uma certa direita digital bolsonarista, rede poderosa e imensa, sem a qual toda e qualquer liderança nesse espectro fracassa. Foi para os Estados Unidos para exercer e ampliar sem limites essa liderança. Anda fulminando os que pretendem levar a construção política do pai para o cento do espectro político, ganhando os moderados, como também busca obter, paralelamente, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas.
Existem evidências de que Eduardo prefere o cenário de uma nova eleição de Lula, para poder continuar com a corda esticada e assim manter a polarização a que tem dado causa. Desse modo, criaria uma espécie de Eduardismo, ou seja, a continuação da disputa com a esquerda, usando a radicalização como arma, ao mesmo tempo dispensando a enorme coalização que o pai fez. Risca de jogar os mais moderados no colo de seus adversários à esquerda e impedir a ascensão de uma centro-direita mais moderada. Só o futuro nos mostrará a dimensão do Eduardismo no Brasil, pois, como disse o poeta Carlos Drummond de Andrade, em seu poema Resíduos: “Fica sempre um pouco de tudo. Às vezes um botão. Às vezes um rato.











