A expressão do título é uma metáfora bastante usada no português para indicar que alguém está confundindo assuntos diferentes, misturando temas que não têm relação direta, ou tratando questões distintas como se fossem iguais. Por exemplo, se em uma discussão sobre trabalho alguém começa a falar sobre problemas pessoais, pode-se dizer que está “misturando as estações” — ou seja, está trazendo para o debate elementos que pertencem a outro contexto.
Como, sabemos todos, a comunicação é a base das relações humanas, seja na família, no trabalho, na escola ou na sociedade em geral, visto que permite criar vínculos, resolver conflitos, cooperar e conviver em grupo, toda vez que ela (a comunicação) é mal feita (por vários fatores), sua ineficiência causa problemas (ou agrava os já existentes) que vão de prosaicos “mal-entendidos” a prejuízos graves nas relações interpessoais, de decisões equivocadas que nos afetam e prejudicam no cotidiano à a ruinas monumentais, também impactando o aprendizado das futuras gerações, a cooperação, a convivência social e o desenvolvimento humano.
E se essas situações (e suas consequências) são facilmente detectáveis em sala de aula (quando um professor, por incapacidade ou irritação, não explica direito um conceito e o aluno erra na hora da prova), no ambiente de trabalho (quando um gerente define determinada meta mas não se preocupa em aferir se seus comandados compreenderam corretamente como agir para atingi-la) ou num consultório médico (quando um médico não instrui seu paciente sobre o uso de um medicamento), mais ainda se dá no ambiente social, quando – e aí volto ao título – fatores ou informações absolutamente desimportantes ou fugidias ao real cerne da controvérsia (ou do problema) são tratadas ou agregadas à discussão como se fossem os elementos próprios a serem considerados, a coisa, efetivamente, degringola.
Exemplo disso temos aos montes e, como ocorre naqueles casos em que infecções são enfrentadas com medicamentos errados, sempre que se insiste no erro por vaidade ou por vergonha de assumir o erro e consertá-lo, os efeitos deletérios prolongam-se por mais tempo do que deviam, e terminam provocando mais destruição do que se temia quando o mal foi identificado.
Existe um ditado que aconselha: “quando perceberes ter tomado o ter tomado o trem errado, salte imediatamente na próxima estação, diminuindo o custo da passagem de volta e o tempo para chegar no destino correto”. Isso é de uma lógica cristalina e sua compreensão não exige maiores considerações. Aplicado à realidade, quando alcançamos a noção de que nossos esforços estão piorando o quadro, que as medidas e instrumentos que escolhemos para enfrentar algum desafio não são próprios para aquele propósito, persistir neles ultrapassa os limites da racionalidade e da inteligência, alcançando as raias da burrice.
Aliás, justiça se faça aos burros, animais injustiçados pela falsa ideia de que são menos privilegiados que outros tais de inteligência (aqui considerada como a capacidade de aprender, resolver problemas, adaptar-se ao ambiente, comunicar-se e até mesmo usar ferramentas), o conceito popular e pejorativo que afeta esses bichos decorre tão somente da suposta teimosia em aprender tarefas e truques mais complexos que eles ostentam. Entretanto, esse comportamento renitente, teimoso, se custou ao burro tornar-se epíteto de gente pouco iluminada das ideias, não lhe alcança no quesito “confundir propositalmente” as coisas para embaralhar as resenhas, comportamento tipicamente humano.
Quando se está diante de alguém que não consegue juntar “lé” com “cré” num debate ou, pior que isso, quando ao mesmo é cobrada uma posição ou opinião considerável e válida para a solução ou progressão de algum processo (ainda que de convencimento), das duas, uma: ou a pessoa está brincando com a própria inteligência, ou menosprezando a alheia.
O fato é que, não-raro, observamos esse tipo de comportamento em nossos cotidianos pessoais, sociais ou profissionais, e isso depõe não apenas contra a qualidade da comunicação, tão importante às nossas vidas e rumos, mas também contra o que se entende como bem comum, visto que em muitos casos ao deficiente comunicador são cometidas tarefas importantes, como representar interesses alheios, e falar errado, proposital ou displicentemente, acaba por estender aos representados a pecha de ignorantes, ao menos quando da outorga do mandato ou da escolha.
E, registro, por falar errado não me refiro às topadas dadas no vernáculo ou sua gramática, mas nos atentados à lógica, ao timming ou ao contexto, comportamento que independe do patrimônio vocabular de seu protagonista. Típico caso desses dá-se em ambientes onde realizam-se trabalhos de investigação graves como nas Comissões Parlamentares de Inquérito, as famosas CPI’s.
Não se desconhece que grande parte dos ilustres membros e membras desses colégios ali estão para defenderem narrativas, alguns por força de designação de seus partidos, outros apenas para gravarem (e divulgarem) seus instantes de glória, porém impunha-se aos mesmos, no mínimo, atenção e respeito ao fato de que suas missões são solenes e graves, de interesse público, fator que, reflito, os faria tratar do assunto com liturgia diferente daquela observada nos antigos picadeiros de circo.
Veja-se, por exemplo (para quem acompanha esses eventos e seus desdobramentos com olhos de ver), o que tem ocorrido na recente “CPMI do INSS”. Criada para apurar crimes graves perpetrados contra, primeiro, uma massa imensa de trabalhadores aposentados e, em segundo lugar mas não menos importante, os cofres públicos, ela virou (para surpresa de ninguém) palco de exibição das mais lamentáveis chacrinhas, com alguns deputados e senadores – de ambos os gêneros – revezando-se no vergonhoso papel esgrimirem narrativas mais apropriadas às brigas de torcida, sucedendo-se, uns após outros, em discursos apequenados, medíocres e, principalmente, impróprios aos fins dessa especialíssima instância investigativa.
Parte da culpa desse teatro mambembe está na lamentável concepção, nutrida por suas excelências, os mandatários, mas também por quem confia voto neles sem refletir sobre suas características e história, de que ali tudo pode, tudo vale, tudo se justifica. Mas a outra parcela significativa dessa responsabilidade situa-se na incapacidade (ou na imaturidade) da sociedade em atinar para o fato de que o verdadeiro papel de um parlamentar, em casos tais, não é o de fustigar seus adversários políticos nem tampouco o de fazer proselitismo, independentemente do fato de estarem, uns e outros, naquela quadra histórica, na situação ou na oposição.
Mas o de apurar e identificar os autores de delitos graves, bem como o de propor e lapidar instrumentos que impeçam futura repetição dessas lamentáveis ocorrências, principalmente quando afetam parcelas da população que sobrevivem com dificuldades. Demais disso, como diz outro ditado famoso, “não interessa a cor do gato, desde que ele pegue os ratos”.











