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Mulheres negras em insegurança alimentar têm maior risco de baixo peso ou obesidade

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A estrutura social que exclui mulheres negras também as coloca como o grupo mais provável da sociedade de ter o chamado “duplo fardo da má nutrição”– quando há baixo peso e obesidade presentes nos índices. Elas possuem maior probabilidade de terem qualquer um dos dois indicadores, segundo um estudo da UFPB, UFRN e USP.

Publicada na revista científica Food Security, a pesquisa diz que, entre os brasileiros que vivem em insegurança alimentar, mulheres negras apresentaram 42% mais chance de obesidade e 41% mais chance de baixo peso em relação a homens brancos em situação de segurança alimentar, que são o grupo controle do estudo.

Em comparação, mulheres brancas em insegurança alimentar mostraram 40% mais chance de obesidade. Considerando o recorte das pessoas negras em insegurança alimentar, a obesidade foi mais prevalente em mulheres (15,95%) do que em homens (10,84%).

Para chegar a esses resultados, o estudo utilizou dados de mais de 46 mil participantes do Inquérito Nacional de Alimentação, que é um módulo dentro da Pesquisa de Orçamentos Familiares 2017-2018, realizada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). As características sexo, raça e status de segurança alimentar foram agrupadas e o resultado foi a visualização de um efeito conjunto dos três fatores.

“Nosso modelo estatístico mostrou que ser mulher, ser negra e estar em insegurança alimentar aumenta sua chance de ter tanto obesidade, quanto baixo peso. Assim, mulheres negras têm mais chance de ter alguma forma de malnutrição do que de estar no estado de eutrofia, que seria o estado saudável”, diz Sávio Gomes, professor de nutrição da UFPB e autor principal do estudo.

A novidade trazida pelo estudo é a confirmação de que as mulheres negras são mais suscetíveis às duas formas de insegurança alimentar. Já se sabia, por exemplo, que a fome afeta mais lares chefiados por mulheres negras (6,2%) do que por mulheres brancas, homens negros ou brancos, segundo a Pnad Contínua de 2023.

O resultado ocorre em momento em que o Brasil sai do Mapa da Fome da ONU e cresce em índices de obesidade. Em dezessete anos, o número de obesos dobrou no país, e o sobrepeso cresceu 44%, segundo dados do Ministério da Saúde.

O crescimento da obesidade está intimamente ligado ao consumo de ultraprocessados, com alto teor de gordura, açúcar e sal, que estão relacionados a problemas de saúde, como obesidade, colesterol alto, distúrbios endócrinos.

Dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares mostram que o aumento foi mais expressivo entre pessoas negras e indígenas, moradores da área rural e das regiões Norte e Nordeste e nos grupos populacionais com menores níveis de escolaridade.

Historicamente, mulheres negras são obrigadas a alimentar os outros (a própria família ou os patrões) primeiro que elas. Isso faz com que elas lidem tanto com a fome como com a obesidade desencadeada pela falta de alcance a alimentos saudáveis —mais caros e menos acessíveis.

O médico norte-americano Llaila O. Afrika diz que grupos excluídos precisam lidar com “desertos alimentares” —lugares onde os alimentos mais acessíveis são ultraprocessados e embutidos.

Afrika diz ainda que há um genocídio de grupos excluídos por meio da nutrição, chamado por ele de “nutricídio” na obra “Nutricide: The Nutritional Destruction of the Black Race”.

Em coluna na Folha, a filósofa Djamila Ribeiro fala sobre o distanciamento da população negra da produção e consumo de alimentos saudáveis, chamado de racismo alimentar:

“Quando alimentação precária, fome e privação do direito de escolha do que comer atingem diretamente, e de forma desproporcional, a população negra, indígena e periférica”.

O estudo, por sua vez, se baseia na interseccionalidade, um conceito das ciências humanas e sociais que busca entender a sobreposição de marcadores sociais ou de formas de opressão. Criada pela jurista americana Kimberlé Crenshaw, a ideia surgiu para mostrar que algumas pessoas enfrentam discriminações múltiplas ao mesmo tempo.

“Quando pensamos em políticas públicas, em grupo de risco, a gente não pode limitar as pessoas a uma única característica, porque gênero, raça, idade, moradia se intercruzam e amplificam ou reduzem as nossas vulnerabilidades”, diz Gomes.

O estudo mostrou também que a relação continua aumentada mesmo quando fatores como escolaridade (que considera também a renda), idade e região de moradia estão regulados. Os dados mostram que mulheres negras estão, independente da escolaridade, em uma condição de desigualdade parecida, diz o pesquisador.

Por isso, o estudo propõe que mulheres negras sejam priorizadas em políticas de segurança alimentar – incluindo prevenção com alimentação, atividade física e saúde mental. Além disso, que essas ações sejam priorizadas antes de políticas de renda e escolaridade. Diz ainda que há necessidade de que ações de combate à obesidade e à fome sejam integradas.

O grupo de pesquisa pretende avançar na agenda interseccional para um “retrato mais fiel” das desigualdades, explica Gomes. Um foco imediato é o estudo da insegurança alimentar em pessoas trans na Paraíba, que evidencia a identidade de gênero como elemento fundamental nos desenhos políticos.

LUÍSA MONTE

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