A entrada de policiais em uma escola após uma criança desenhar um orixá reacendeu o debate sobre ensino religioso e cultura africana. Especialistas e documentos oficiais explicam o que as escolas podem ensinar.
Pai chamou a PM após a filha desenhar um orixá. O desenho foi feito durante uma atividade na Escola Municipal de Educação Infantil Antônio Bento, no Caxingui, zona oeste de São Paulo. O pai afirmou que a filha estaria tendo “aula de religião africana” e acionou a polícia.
Quatro policiais armados entraram na escola. Os agentes chegaram à unidade, um deles com arma de grosso calibre, e questionaram a equipe sobre a atividade realizada com a criança. A presença dos policiais interrompeu a rotina escolar.
O QUE DIZEM OS CURRÍCULOS
MEC orienta o que deve ser ensinado nas escolas do país. A BNCC (Base Nacional Comum Curricular), documento do Ministério da Educação que orienta os conteúdos da educação básica, diz que o ensino religioso deve tratar das tradições religiosas sem doutrinação e com abordagem ética, científica e plural.
Ensino religioso não deve promover crença. A BNCC orienta que a disciplina investigue fenômenos religiosos, mitos, ideias de divindades e práticas culturais presentes na sociedade.
Segundo a Secretaria Municipal de Educação, não existe a disciplina de ensino religioso nas escolas públicas. São Paulo tem lei que torna o ensino religioso facultativo. A legislação municipal de 2006 diz que a disciplina pode fazer parte do horário regular das escolas de ensino fundamental, desde que sem proselitismo e com respeito à diversidade religiosa.
O currículo municipal de São Paulo orienta o ensino de mitologia africana. As Orientações Pedagógicas da Rede Municipal afirmam que trabalhar histórias com orixás não é prática religiosa. O documento aponta que evitar esses conteúdos reproduz racismo religioso e exclui vivências dos estudantes.
Orixás são tratados como elementos culturais. O material define orixás como divindades iorubanas, como Oxum e Oxóssi, e cita outras tradições de matriz africana, como voduns. A orientação destaca que esses conteúdos ajudam a promover respeito e tolerância.
Escolas já aplicam projetos baseados em mitos africanos. Relatos pedagógicos incluídos no documento da Prefeitura registram experiências como o projeto “Memórias Africanas – mitos Yorubás”, com histórias de Oxum, Oxóssi e Xangô. Há também literaturas infantis que apresentam cosmologias africanas e valorizam a cultura negra.
Laicidade não impede símbolos culturais afro-brasileiros. O documento lembra que espaços públicos exibem símbolos cristãos e afirma que estudantes podem usar roupas brancas, fios de conta, turbantes e outros adereços de matrizes africanas, garantindo liberdade de expressão cultural e religiosa.
Escola pode ensinar sobre religiões, mas não pode doutrinar, diz especialista. A educadora Janine Rodrigues, fundadora da Piraporiando -edtech dedicada a conteúdos antirracistas, antibullying e voltados à diversidade- explica que o objetivo da disciplina não é converter estudantes. Para ela, o componente busca “o respeito, a ética e o diálogo entre religiões”.
Ensino religioso deve ajudar a entender a diversidade. Janine diz que a disciplina aborda fenômenos religiosos, ética, simbologia e práticas culturais presentes na sociedade. O objetivo é ampliar a compreensão, promover convivência e acolher estudantes religiosos e não religiosos.
Para a educadora, rejeição ao tema envolve racismo religioso. A educadora afirma que, “no Brasil, institucional e estruturalmente racista, religiões de matrizes africanas são lidas como inferiores”. Segundo Janine, “uma aula sobre Exú dificilmente ocupará o mesmo espaço de afeto que uma aula sobre os 12 apóstolos de Cristo”.
SÃO PAULO, SP (UOL/FOLHAPRESS) -MATEUS ARAÚJO











