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19 de novembro de 2025
quarta-feira, 19 de novembro de 2025
José Cirillo
José Cirillo
José Cirillo é doutor em Comunicação e Semiótica (PUC-SP), mestre em Educação pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES,) onde é professor titular e coordenador do Programa de Pós-graduação em Artes. Pós-doutor em Artes pela Universidade de Lisboa. Foi Pró-reitor de Extensão da UFES (2008-2014); Diretor do Centro de Artes (2005-2008). Atua como coordenador do Laboratório de Extensão e Pesquisa em Artes (LEENA), desenvolvendo pesquisas sobre a arte e a cultura capixaba.
A opinião dos colunistas é de inteira responsabilidade de cada um deles e não reflete a posição de ES Hoje

Uma bola gigante de natal no meio do caminho. Ou um poste abusivo?!

Há alguns meses quando iniciei essa coluna, tínhamos perdido os espaços na mídia que se dedicavam às artes. Vejo que ela tem funcionado como catalizador do renascimento de uma possível crítica das artes no estado.

Lembro que há quase 40 anos o Espírito Santo tinha em seus jornais impressos espaços dedicados à Arte e à Cultura. O Caderno 2, de A Gazeta, e o T 2, de A Tribuna eram espaços dedicados à cobertura a este fim. Musica, teatro, Dança e Artes Visuais tinham destaque até o inicio dos anos de 2000.

Eu mesmo conheci Magno Godoy, um ícone da dança capixaba, nessas reportagens. Magno tinha um projeto poético centrado nos debates étnicos, muito antes dessa onda das últimas décadas. Sozinho, sem o devido reconhecimento, levava ao mundo um discurso cênico e corporal pautado numa herança e ancestralidade negra que marca parte da cultura do nosso estado.

Uma bola gigante de natal no meio do caminho. Ou um poste abusivo?!
Magno Godoy em detalhe do espetáculo Hibermatus (1994). Foto do acervo de Marcelo Ferreira

Lembro de nomes como Chenier (nosso último crítico de arte nos jornais), Marien Calixte, e alguns repórteres que foram se dedicando e especializando em matérias sobre as artes, como Chico Netto, Andrea Pena, Claudia Curry, dentre outros que conduziam esses espaços de informação e formação da comunidade para os limites do sensível e para as questões estéticas na nossa cultura.

Tínhamos repórteres dedicadas a escrever e acompanhar os eventos artísticos e culturais. Eram páginas inteiras com reportagens e coberturas que davam visibilidade à nossa produção cultural e aos seus atores sociais.

Lembro que em um determinado momento, já no meio ao processo de mudança editorial de um dos grandes jornais capixabas, ouvi – ao procurar dar mais dados do que era a mostra que eu estava envolvido e da profundidade do conteúdo que seria divulgado: “o papel do jornal deve apenas informar, numa linguagem simples, sem profundidade pois os leitores não querem conteúdo, querem informação…”

Nem sei se as palavras tinham sido exatamente essas, mas a conversa marcou a minha percepção do declínio das coberturas dos eventos artísticos – pelo menos no sentido de não os ver apenas como espetáculo. As matérias e coberturas de peças teatrais, recitais de música ou mostras visuais fora virando apenas “informativos” e nos perdemos ao longo dos anos, resultando num esvaziamento quase total desse papel das mídias na formação de uma sociedade.

As páginas de artes cederam lugar à violência urbana – que foi quase sendo naturalizada. E Isto não foi um fenômeno apenas capixaba. O país seguiu nessa linha.

Em 24 de fevereiro de 2024 a rede ES Hoje me deu espaço e iniciei essa coluna, sem saber se conseguiria dar conta de sua continuidade. Exceto pelos percalços desse ano, essa tarefa não me parece muito difícil. Mas, ficou diferente com o tempo e eu – que pensava que caminharia para uma perspectiva que poderia me levar a escrever crítica de arte no contexto capixaba -, fui atropelado por questão anteriores à qualquer opinião minha sobre um ou oura mostra. A realidade mostrou-se mais urgente que meus desejos.

Para além do descaso, quase geral das últimas décadas com o cenário artístico por parte das mídias capixabas, o apagamento da memória artística do nosso estado foi ganhando pauta nas minhas colunas. Ou o desrespeito e abandono das políticas públicas para as artes. Alguém chegou a comentar também que minha coluna tinha virado uma espécie de obituário, pois me dediquei a lembrar o papel de algumas pessoas importantes que partiram nos últimos tempos; não esqueci também de falar do abandono de logradouros públicos ou de obras.

Volto aqui novamente ao tema do desrespeito público a obras públicas na nossa capital. Nessa semana passada, sou surpreendido por um post no Instagram que falava de um poste sendo instalado ao lado de uma obra na Praça do Papa. Não acreditei, mas era verdade.

Eu já havia escrito em 2024 sobre essa mesma obra, quando instalaram um objeto de valor duvidável que, como um atlante de carnaval, abraçava a esfera e a desfigurava do seu contexto público.

A obra voltou a ser agredida!!

Uma bola gigante de natal no meio do caminho. Ou um poste abusivo?!

A rosa dos ventos é uma alusão ao processo de navegação dos portugueses no período conhecido como Os Descobrimentos. A obra de Ângela Gomes é um complexo objeto de intervenção na paisagem que compreende não apenas o objeto metálico no centro da praça, mas todo um conjunto de linhas e planos que desenham a praça (imagem da esquerda). No centro dessa rosa dos ventos estilizada, o marco central, a esfera de inox (figura da direita). Todo esse complexo em granito e metal forma a obra.

Imagens semelhantes se espalham pelo mundo, como no Padrão dos Descobrimentos em Lisboa.

Uma bola gigante de natal no meio do caminho. Ou um poste abusivo?!
Rosa dos Ventos no Padrão dos Descobrimentos, Lisboa

É preciso entender que em uma obra em escala monumental, sua percepção vai além do que a dimensão do meu corpo abraça. Tanto nas imagens da Rosa dos Ventos de Angela Gomes, quanto nas imagens no Padrões dos Descobrimentos, em Lisboa, fica evidente que a imagem de um diagrama que mostra os pontos cardeais (Norte, Sul, Leste, Oeste) e os colaterais (Nordeste, Sudeste, Sudoeste e Noroeste) – fundamentais no processo de navegação e georreferenciamento. Portanto cada parte do objeto diz para o que vem.

Assim, como na intervenção anterior que essa obra de Gomes sofreu, em que um Atlante mal elaborado a segurava, como em uma alegoria carnavalesca, feita com autorização do poder público municipal, novamente se autoriza uma intervenção que compromete a obra, mas que sobretudo evidencia o desrespeito dos nossos órgãos, que deveria proteger nossa cultura, para com os monumentos públicos.

INSTALARAM UM POSTE ao lado da esfera e, segundo informações, para colocar uma árvore de natal.

Uma bola gigante de natal no meio do caminho. Ou um poste abusivo?!

Já estamos, de certa forma, habituados a ver intervenções nessa obra, com a instalação de tendas para eventos diversos. Maculas de furos no granito que desenha a rosa dos ventos estão ali presentes e rotineiramente ferem a obra.

Não consigo imaginar a Câmara de Lisboa permitindo esse tipo de intervenção, ou qualquer outra, na Rosa dos Ventos do Padrão dos Descobrimentos. Algo que aprendi vivendo lá: há respeito público e institucional para as obras instaladas na cidade!

Uma bola gigante de natal no meio do caminho. Ou um poste abusivo?!

Mas agora fomos mais longe: para decorar a cidade par ao natal, uma obra de artes foi seriamente danificada. Uma peça inteira do granito do desenho foi quebrada para se fixar o famigerado poste que possivelmente vai receber uma decoração duvidosa, na qual nossa esfera de inox será reduzida a uma bola decorativa metalizada colocada junto aos possíveis arremedos de presentes natalinos.

Quando um ato de destruição de uma obra pública é feito por algum cidadão descuidado, chamamos de vandalismo. Como denominamos quando é o poder público que faz isto??

Estamos nos tornando uma sociedade superficial. Uma comunidade descuidada com sua memória e com seu futuro. Nossas obras públicas estão sendo reduzidas à meros objetos à serviço da espetacularização da vida…

Uma bola gigante de natal no meio do caminho. Ou um poste abusivo?!
Rosa dos Ventos (2008), Angela Gomes. Foto de Vitor Nogueira

Encerro essa matéria de hoje com uma imagem da plenitude dessa obra, sem as máculas do descaso do poder público.

Só temos a lamentar. Estamos perdendo os rumos e os valores.

José Cirillo
José Cirillo
José Cirillo é doutor em Comunicação e Semiótica (PUC-SP), mestre em Educação pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES,) onde é professor titular e coordenador do Programa de Pós-graduação em Artes. Pós-doutor em Artes pela Universidade de Lisboa. Foi Pró-reitor de Extensão da UFES (2008-2014); Diretor do Centro de Artes (2005-2008). Atua como coordenador do Laboratório de Extensão e Pesquisa em Artes (LEENA), desenvolvendo pesquisas sobre a arte e a cultura capixaba.

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Comentários
  1. Excelente avaliação sobre a cobertura dos veículos. Excelente análise.

    A praça é feia e afasta qualquer possibilidade de visita. Não tem árvores. Não tem banco. Não tem segurança. É um espaço muito desagradável.

    A esfera tem utilidade questionável.

    Sobre o poste, nada falo.

  2. Parabéns, Professor. Você descreveu muito bem a onda que, provoca a erosão artística, cultural e patrimonial diante de nossos olhos e, bem embaixo de nossos pés.

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