A ideia central, quando se trata de investigar a identidade regional de um fragmento territorial e cultural da sociedade brasileira, é traçar a trajetória histórica de sua construção imaginária, e construí-la, na maioria das vezes, segundo um olhar determinado.
Isso parte do processo de pensar como se articularam ao longo do tempo os elementos históricos. Inclui também, e sobretudo, analisar como eles formam um conjunto e ainda o modo como suas várias faces reunidas em um todo se conectam e se fazem representar uma na outra.
Um elemento importante que dá densidade a esse conjunto é a ideia de construção do futuro. Afirmo isso porque, como a identidade está sempre em construção, ou é algo que queremos ser, ela faz parte do que já somos.
Quando pensamos a questão da identidade em termos individuais, podemos perceber essa ideia com mais facilidade. Uma pessoa não é apenas um resto do seu passado, um pedaço daquilo que se construiu no tempo. É também o que quer fazer desse passado, como o interpreta e o ressignifica, como se reinventa a partir dele. Quase tudo pode ser considerado aprendizado ou mágoa, depende de como interpretamos os fatos.
Assim, o que desejamos como sociedade também é parte da nossa identidade e dá o tom de como sentimos a presença do passado, que é reinterpretado à luz desse desejo. Dizem até que a coisa que mais muda no mundo é o passado – uma brincadeira que não deixa de esconder certa verdade.
Para me ater a um exemplo de releitura recente, existem obras no mercado que pintam um Napoleão de direita, forte e autoritário, e outras que o apresentam como de esquerda, produto da revolução que acabou por conduzi-lo ao poder. Quero com isso dizer que identidade também é escolha. É o processo de retirar de todos os elementos que nos compõem aqueles que melhor expressam nosso desejo em certo momento histórico.
Identidade tem a ver, então, com nossas escolhas mediante o que nos aconteceu e o que pretendemos fazer com isso. Tais observações me ocorreram quando comecei a pensar naquilo que poderíamos chamar de identidade capixaba ou mesmo de construção do nosso imaginário.
Nele existe o mito da muralha verde que nos separou das Minas Gerais durante o período colonial. Primeiramente, é fato que o ouro das Minas despertava a cobiça de piratas e invasores estrangeiros, portanto não se facilitaria o acesso a elas. Mas também é verdade que o período do auge do ouro durou cerca de um século. Criar dificuldade de acesso, portanto, não poderia simplesmente explicar o que aconteceu em terras capixabas durante dessa longa fase.
Por outro lado, é comum lermos nos nossos livros de história, bem como em outras narrativas sobre nosso passado, que sofremos um marasmo colonial, que não prosperamos em relação às outras regiões brasileiras. Esse discurso foi muito usado no início da república para explicar uma certa aversão ao período monárquico e, assim, valorizar os ideais de progresso da jovem república.
Mas, de fato, nada houve de especial no Espírito Santo em relação ao que acontecia no restante do país. Chamar de marasmo a chegada do café, que mudaria a face do nosso estado; o ingresso massivo de colonos europeus; o fim do regime escravocrata é mesmo muita má vontade com o império. Só isso.
Enfim, parece que escolhemos fragmentos bem negativos de nossa história para construir um lugar no Brasil e no mundo. A grande questão, portanto, não é a história em si, mas sim a maneira como nos apropriamos dela.
Posso afirmar que somos um estado empreendedor, que no final do século XIX já era um dos grandes produtores nacionais de café; que nossas elites republicanas tinham formação idêntica às de São Paulo, Minas ou Rio de Janeiro – para ficar apenas na região Sudeste; que os imigrantes europeus do século XIX, no Espírito Santo, progrediram tanto quanto os que aportaram em outros estados.
Enfim, sob a lente do empreendedorismo, podemos enxergar um estado que esquece e supera as narrativas reducionistas da barreira verde e do marasmo colonial. É uma questão de escolha, de criar uma narrativa que organize e articule os fragmentos que a história nos apresenta.
O que precisamos, no Espírito Santo, é focar nos fatos que nos aproximem de um sentimento verdadeiro e forte sobre a nossa história, que nos façam acentuar o pertencimento a este território, ter orgulho dos que nos antecederam e deixaram essas marcas fortes, das quais devemos ter muito orgulho. Acho que já está na hora.










