Houve um tempo em que o Congresso Nacional brasileiro não era apenas um palco de votações e manobras regimentais, mas um verdadeiro laboratório de ideias. A tribuna parlamentar era o púlpito da República: espaço de erudição, coragem e densidade intelectual. Ruy Barbosa, Ulysses Guimarães, Carlos Lacerda e tantos outros não falavam para algoritmos. Falavam para a História. Cada frase era trabalhada como quem talha pedra, consciente de que a palavra bem construída é arma, escudo e legado.
Basta lembrar a tarde de 5 de outubro de 1988, quando Ulysses Guimarães promulgou a Constituição Cidadã: “A Constituição certamente não é perfeita. Ela própria o confessa ao admitir a reforma. Quanto a ela, discordar, sim. Divergir, sim. Descumprir, jamais. Afrontá-la, nunca. Traidor da Constituição é traidor da Pátria.” Não era apenas retórica; era um pacto. Em outro momento, anunciou: “A Nação quer mudar. A Nação deve mudar. A Nação vai mudar.” Cada pausa, um golpe de martelo, cada antítese, um convite à reflexão.
Décadas antes, Ruy Barbosa já havia elevado a palavra a categoria de princípio: “Justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta.” Para emendar,’ outro discurso que mais se assemelhava a uma sinfonia: “A regra da igualdade consiste em aquinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam.” Frases que sobreviveram ao tempo porque foram feitas para durar, não para viralizar.
Carlos Lacerda, apesar de figura controversa que dividia opiniões, representava a escola do verbo cortante. Combativo, ácido, mas preparado, jamais subia à tribuna sem estudo — e sem escudo. Seu discurso de autodefesa em 1957 permanece como exemplo de precisão argumentativa: agressivo, sim, mas intelectualmente armado.
Hoje, porém, a paisagem é outra. O plenário transformou-se em estúdio de gravação para TikTok. Os discursos não são mais feitos para convencer pares ou espelhar as necessidades da população: são roteiros para clipes de quinze segundos, embalados por legendas chamativas e emojis de indignação. Deputados como Nícolas Ferreira, Sargento Nunes Cavalcante, André Janones entre tantos outros disputam quem entrega a fala mais inflamável, não a mais lúcida. A meta não é formular um raciocínio, mas produzir “engajamento”. O resultado é uma sucessão de bravatas, memes instantâneos e falas que, no dia seguinte, já perderam valor, como stories que expiram.
O advento das redes sociais alterou não apenas a forma, mas a essência da comunicação política. O ódio, a ironia e a hipérbole tornaram-se moeda de entretenimento. A arquitetura das plataformas recompensa o choque, a ofensa, a frase recortável, punindo a complexidade que exige paciência. O discurso que poderia ser reflexão vira combustível de cliques. O parlamentar que ousa falar com nuance corre o risco de ser invisível; e quem grita, de ser trend.
Não se trata de nostalgia vazia. A degradação da oratória é também a erosão da democracia. Quando o Parlamento abdica do verbo robusto e do argumento consistente, entrega à máquina do marketing digital o poder de moldar a opinião pública. A cidadania perde a chance de se educar pelo debate, e a política se rebaixa a espetáculo de barulho. Se olharmos as propostas que emergiram da Câmara dos Deputados nas últimas semanas, teremos a certeza disso.
Recuperar a grande oratória não significa replicar a cadência de Ruy Barbosa ou a solenidade de Ulysses, mas resgatar o compromisso com a substância. É exigir preparo intelectual, coragem moral e respeito ao tempo do argumento. Como lembrou o notável orador Ruy Barbosa, “o direito dos mais miseráveis não é menos sagrado que o do mais alto dos poderes”. Para que essa verdade não se perca no ruído das timelines, o Congresso precisa reencontrar a sua voz: não a que viraliza, mas a que permanece.