“O mundo é dos ansiosos”, dizia-me um amigo sobre a urgência em responder mensagens. Tem ele razão. No mundo dele, talvez. E no de quase todos nós. Não ouvimos mais com o desejo sincero de compreender, mas apenas para responder. Ou pior: para reagir. O silêncio entre uma fala e outra não é mais espaço de escuta, mas intervalo entre certezas. E assim nos atropelamos mutuamente, não no corpo, mas na dignidade que habita a dúvida passageira.
Até lembrei do antigo conceito filosófico, nascido no ceticismo grego e resgatado por Husserl na fenomenologia, que nos convida a outro caminho. Chama-se Epoché (ἐποχή): suspensão do juízo. Trata-se, em termos simples, de conter o ímpeto de julgar. De colocar entre parênteses o mundo, para poder vê-lo como ele é, não como já achamos que seja.
Suspender o juízo não é renunciar à verdade, mas é respeitá-la o suficiente para não profaná-la com o primeiro impulso. É um ato de coragem interior — e de caridade também. A verdadeira escuta não julga: acolhe. A epoché não é uma forma de indiferença, mas de reverência ao que ainda não se revelou por inteiro. É o oposto da cólera rápida, da ofensa impulsiva, do veredito impensado.
Nos tribunais, no convívio familiar, nas redes sociais — em todos os espaços onde o humano se manifesta — falta esse intervalo sagrado entre o que se ouve e o que se conclui. Julga-se com base em recortes, em fragmentos, em tons de voz. Condena-se em segundos, absolve-se por conveniência. E quando o coração tenta alertar, já é tarde: a palavra lançada já feriu, o gesto já selou o afastamento.
A epoché é, então, mais do que um conceito: é uma virtude possível. Talvez até uma forma de oração laica. É o exercício constante de escutar com cortesia, de olhar com delicadeza, de pensar com lentidão. É preferir a ponderação à pressa. A empatia ao ataque. A prudência ao escândalo.
É que não se pode prestar atenção em alguém se o julgamento já ocupou o espaço interior. A escuta verdadeira exige uma espécie de vazio fecundo — onde o outro possa se manifestar sem medo de ser reduzido a um rótulo.
Julgar com calma é também amar com inteligência.
É reconhecer que cada ser humano é um mistério em processo, não um rascunho definitivo. É entender que há dores que não se veem, nuances que não se captam na primeira frase, contextos que exigem tempo para serem compreendidos.
Por isso, talvez a epoché seja hoje um ato revolucionário. Silenciar os julgamentos, ainda que por alguns segundos, é um gesto contra a pressa dos tempos. É recusar o tribunal instantâneo que transformou todos em réus e juízes ao mesmo tempo. É um resgate da dignidade da escuta — e do outro.
No fim das contas, talvez o que falte ao nosso tempo não seja mais opinião, mas mais silêncio.










