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9 de outubro de 2025
quinta-feira, 9 de outubro de 2025
Fernando Carreiro
Fernando Carreiro
Jornalista e consultor especializado em reputação, crises de imagem, comportamento humano e estratégia política e de marcas, é autor de ‘Campanhas, Casos & Cases
A opinião dos colunistas é de inteira responsabilidade de cada um deles e não reflete a posição de ES Hoje

Esqueçam a terceira via: ela não vai existir

Permaneça neste texto até o final e você vai entender por que a ideia de uma terceira via não prospera no Brasil.

Um dos traços mais persistentes da política brasileira, a polarização não foi invenção do PT e do PSDB, ampliada pelo bolsonarismo. Essa força estruturante da disputa de poder nunca deixou de existir. Não houve, até hoje, a vitória efetiva de quem se apresentou como “terceira via”. Somos um país dual, e a História recente mostra mais claramente isso.

Na Era Vargas, por exemplo, desde a Revolução de 1930, Getúlio se colocou como grande polo de poder em contraponto à UDN (União Democrática Nacional), partido identificado como das elites urbanas liberais e antipopulistas. Mesmo na ditadura militar, a partir de 1964, quando o regime tentou criar uma aparência de pluralidade, o bipartidarismo artificializado de Arena versus MDB manteve a lógica dos dois polos.

Na redemocratização, o PMDB foi o grande partido da transição, mas logo passou a se organizar em torno da disputa entre PSDB e PT: Fernando Henrique contra Lula foi a síntese dos anos 1990 e, posteriormente, nos anos 2000, nas figuras de Dilma Rousseff, José Serra e Geraldo Alckmin. Aécio Neves chegou em 2014, em uma disputa com Dilma, que quase sucumbiu com a emergência de Marina Silva. E é neste ponto que está um exemplo clássico de como a terceira via nunca existiu.

Marina Silva chegou onde chegou não por se apresentar como um terceiro polo. Marina se colocava no espectro da centro-esquerda, com uma pauta social e ambiental muito clara, e realizava acenos para a direita, por meio de sua relação com figuras da elite brasileira que contribuíam com a formulação de seu programa de governo. A hoje ministra do Meio Ambiente, então filiada à Rede, era um terceiro nome, mas não uma terceira via, longe da polarização: ela estava muito bem inserida na agenda de um dos dois polos enquanto acenava para o outro lado. Foi assim que ela cresceu e chegou a assombrar a candidatura da petista, que a derrubou dentro do campo progressista fazendo com que o eleitor da esquerda a enxergasse mais à direita, e alinhada aos banqueiros, do que era. Perdeu capilaridade em sua maior base. A disputa voltou a ser travada entre Dilma e Aécio.

Com o surgimento do bolsonarismo, após o impeachment de Dilma em 2016, um novo polo se estabeleceu, ocupando o lugar ora dos tucanos. O resto dessa história você já conhece.

Na História brasileira, quem tentou se colocar claramente como uma terceira alternativa, alheio à polarização, não teve sucesso. Jânio Quadros, eleito presidente em 1960, tentou se apresentar como independente dos grandes blocos, mas sua renúncia precoce desmontou a possibilidade de se consolidar como alternativa. Leonel Brizola, carismático e com forte base no Rio de Janeiro nas décadas de 80 e 90, chegou a ser cotado como terceira via na redemocratização, mas foi eclipsado por Lula e PSDB.

O exemplo mais recente dessa saga é Ciro Gomes, que bateu na trave diversas vezes em suas tentativas de ser presidente, brigando com a esquerda e a direita: nunca conseguiu romper a barreira dos 10% a 12% dos votos nacionais. O mesmo aconteceu com Eduardo Campos, Simone Tebet e Henrique Meirelles: ganharam visibilidade em eleições pontuais, mas não conseguiram se transformar em polos de disputa estável.

A política brasileira sempre se organizou em torno de um inimigo a ser derrotado. Isso simplifica a narrativa e facilita a identificação do eleitor. O próprio PSDB, partido criado a partir de uma costela do PMDB, na centro-esquerda, foi jogado para o campo da direita pelo PT, ergueendo-o como um inimigo à direita a ser vencido.

O presidencialismo de maioria absoluta força a agregação em torno de dois polos, especialmente no segundo turno, e isso enfraquece a terceira via. Afora isso, os discursos mais radicais e dicotômicos, muitos deles maniqueístas (“o bem contra o mal”), atraem mais atenção e têm um poder de mobilização maior, sobretudo em tempos de redes sociais.

Mesmo em países onde há multipolaridade, como França, Itália e Israel, em algum momento a disputa presidencial tende a se reduzir em dois campos e a aglutinação de forças em torno de uma ou outra ideia.

As chances de um candidato que se coloque no entremeio à disputa entre esquerda e direita tenha sucesso nas eleições do próximo ano dependerão da sua capacidade de fincar sua base eleitoral em um dos polos e fazer acenos ao outro lado. O termo “isenção” (eufemismo para “terceira via”) não existe no Brasil, onde você tem que ter lado, e são apenas dois. Mesmo aqueles que desejarem construir um novo espaço na política — e este é necessário —, precisarão fazê-lo a partir de um apêndice de um dos polos já existentes, acenando sutilmente para o outro lado. Marina Silva quase chegou lá.

Fernando Carreiro
Fernando Carreiro
Jornalista e consultor especializado em reputação, crises de imagem, comportamento humano e estratégia política e de marcas, é autor de ‘Campanhas, Casos & Cases

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