A lei deverá respeitar o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada, conforme art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal de 1988 (CF/1988). A observância desse mandamento é um direito fundamental.
Em sentido similar, o art. 6º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Decreto-Lei n. 4.657/1942) prescreve que a lei em vigor terá efeito imediato, respeitado o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada. O preceito está em consonância com a CF/1988.
O art. 912 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), inserido no Título XI (Disposições finais e transitórias), também trata da aplicação da lei: “[…] Os dispositivos de caráter imperativo terão aplicação imediata às relações iniciadas, mas não consumadas, antes da vigência desta Consolidação”. Esse preceito foi criado para regular situações jurídicas existentes quando do início da vigência da CLT em 1943. Desse modo, é um dispositivo de caráter provisório. Caso seja aplicado atualmente, deverá ser interpretado conforme a Constituição, de modo a permitir a aplicação imediata da lei, desde que respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada, sob pena de ser considerado inconstitucional.
O direito do trabalho possui a particularidade de regular relações jurídicas continuadas. Os contratos de trabalho perduram. Logo, não têm caráter instantâneo. Assim, é comum a promulgação de leis durante a vigência do contrato, o que acarreta dúvidas quanto à sua aplicabilidade às avenças em curso.
Esse tema foi retomado com a Reforma Trabalhista de 2017 (Lei n. 13.467/2017). Esse ato normativo, em sua essência, é menos favorável ao trabalhador em comparação à redação anterior da CLT. Essa Reforma (na parte correspondente ao direito material) é aplicável aos contratos de trabalho celebrados antes da sua promulgação?
O contrato de trabalho materializa um ato jurídico. É um marco na concretização de direitos adquiridos. Por efeito, a aplicação imediata de uma lei redutora de direitos trabalhistas, como ocorreu com a Reforma de 2017, não atinge os contratos em curso, celebrados antes da sua vigência. Se for o caso, somente seria aplicável aos pactos firmados depois da sua promulgação.
Dois princípios, entre outros argumentos, corroboram essa conclusão: os princípios da aplicação da norma mais favorável ao trabalhador e o da proibição do retrocesso.
A Reforma Trabalhista de 2017 não é a fonte normativa mais favorável ao trabalhador. O regime anterior era mais benéfico. Portanto, de acordo com princípio da aplicação da norma mais favorável, essa Reforma é inaplicável aos contratos que estavam em curso quando da sua promulgação.
A proibição do retrocesso, segundo Ingo Sarlet, está relacionada à noção de segurança jurídica. As mudanças frequentes na lei, com a diminuição de direitos conquistados, geram instabilidades social e jurídica. Esse princípio, reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal (STF – ADPF n. 6451), veda, ainda que por intermédio de lei, o retrocesso de direitos fundamentais anteriormente estabelecidos.
Esse cenário impediria a aplicação da Reforma Trabalhista de 2017 aos contratos de trabalho celebrados antes da sua vigência. Além disso, revela argumentos para defender a sua inaplicabilidade aos novos contratos, por violar, em alguns casos, o princípio da proibição do retrocesso.
O Tribunal Superior do Trabalho (TST), em 2020, prolatou decisão sobre a aplicabilidade da Reforma Trabalhista de 2017 a contratos celebrados antes da sua vigência. O caso aludia ao direito à hora in itinere, extinto com a alteração do art. 58 da CLT. A Corte decidiu que essa alteração não afeta o contrato celebrado anteriormente e garantiu ao empregado a continuidade do pagamento (AIRR n. 1102-52.2016.5.22.0101).
A decisão do TST expressou dois fundamentos centrais: a preservação do ato jurídico perfeito (contrato de trabalho) e o princípio da irredutibilidade salarial (CF/1988, art. 7º, VI). A utilização dessas bases demonstrou que a aplicação da Reforma Trabalhista de 2017 resultaria na redução do salário do empregado.
O TST, aparentemente, tende a negar a aplicação da Reforma Trabalhista de 2017 a contratos de trabalho celebrados antes de sua vigência. Depois da decisão proferida em 2020, outras foram proferidas no mesmo sentido, inclusive em 2023 (RR n. 10071-29.2020.5.03.0171. Publicada em 17 de fevereiro deste ano).
Essa posição adotada pelo TST mantém coerência com as suas decisões anteriores, uma vez que a Reforma Trabalhista de 2017 não foi a primeira lei a reduzir os direitos dos trabalhadores. Nesse sentido, a Corte quando tratou da modificação menos benéfica aos trabalhadores eletricitários, introduzida pela Lei n. 12.740/2012, decidiu pela sua inaplicabilidade aos contratos de trabalho celebrados antes de sua vigência (Súmula n. 191, III).