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Cenourobrás

Imagine que você é dono de um pedaço de terra e que um dia é procurado por um sujeito com a proposta de plantar cenouras em sua propriedade. Você adora cenouras e incorporou o vegetal em sua dieta, como vários vizinhos seus, mas melhor seria tê-las em sua própria horta que comprar na venda da esquina. O sujeito, especialista em cenouras (digamos que um “cenourólogo”) acrescenta que o empreendimento demanda três coisas além, é claro, da exclusividade que ele necessita para começar a desenvolvê-lo: dinheiro para comprar maquinário e para contratar funcionários, recursos para pesquisas e, ainda, verbas extras para o plantio, a colheita e o beneficiamento das cenouras, já que ninguém come (ou compra) as mesmas sujas de terra, jogadas em qualquer lugar e sem alguma promoção que as torne competitivas no mercado.

Os argumentos são bastante lógicos e você concorda em também financiar a produção, já que as perspectivas de não mais precisar comprar o produto na venda e, ainda, de obter lucro com a comercialização a terceiros são estimulantes. Já na primeira safra, logo que você vai apanhar seu quinhão de cenouras, ele adverte que da mesma forma que acontece em um bar, uma padaria ou em uma loja, se o dono não se submeter ao preço de venda e resolver apenas consumir sem pagar e debitando no lucro do empreendimento, poderia haver um descompasso contábil que terminaria por comprometer o próprio negócio. Além disso as suas terras não eram lá o paraíso da cenoura, como em alguns outros lugares nos quais as bichinhas brotam do chão naturalmente, e requeriam correções de relevo, fertilizantes, implemento de novas tecnologias e outros insumos que os grandes produtores agregam à atividade.

Mais uma vez a lógica das palavras somada à vaidade de sagrar-se um grande exportador de cenouras em futuro breve convencem a você pagar por aquelas cenouras o mesmo preço que pagava quando comprava no mercado, já que as leis que regulam (o mercado) são implacáveis e não admitem subversões ou ufanismos patrióticos. Já acostumado às variações dos preços das cenouras no tal mercado mas ainda cabreiro em ter que pagar por alguma coisa que é produzida na sua terra, com seu dinheiro e vendida por um preço bem menor do que aquele que anda desembolsando, você é surpresado novamente pelo cenourólogo com a seguinte arenga: “precisamos de mais investimentos e o negócio é abrir sociedade com pessoas de fora, que até possuem terras e tecnologia para plantar cenouras, mas preferem compra-las baratinho de quem já faz o trabalho mais pesado de plantar e colher, concentrando-se nas atividades mais nobres, que transformam a cenoura em diversos produtos muito mais interessantes e valiosos do que cozinha-las e servi-las numa saladinha qualquer”.

Interessado no potencial do negócio e, claro, na preservação de sua soberania internacional, o Governo intervém e exige participar do negócio, reservando para si mais da metade do resultado e o controle das atividades, passando a definir os investimentos, os trabalhos, e, também, recebendo a maior parte dos dividendos obtidos com a colheita. Além disso, claro, como cabe ao Estado cobrar impostos sobre qualquer tipo de produto ou serviço realizados em seu território, sobre o preço das cenouras plantadas na sua terra, sobre as sementes, sobre o maquinário o tempo e até sobre os salários dos agricultores, terá você que suportar um plus, uma alíquota capaz de justificar novos investimentos e outros gastos feitos naquela atividade fundamental realizada pela CENOUROBRÁS, nome com o qual resolveu batizar esse empreendimento.

Tempos depois, apavorado com o preço cada dia maior das cenouras que continua comprando no mercado, você questiona o sujeito que lhe diz que não cabe mais a ele controlar isso, já que não é ele quem administra a empresa e, mais, que os investidores e o Governo não podem deixar de receber seus resultados pela produção, senão retirariam seu dinheiro da empresa e isso inviabilizaria o negócio.

Perguntado sobre o porquê de não poder você mesmo fazer como outros lugares fazem, transformado sua colheita em produtos melhorados e mais valiosos, pagando menos por eles e até obtendo lucro maior em sua venda, recebe a resposta de que as cenouras produzidas na sua terra são ruins e precisam de tecnologias e investimentos que não foram feitos na empresa porque lucro maior (e consequentemente mais retorno aos investidores e ao Governo) advém da venda da produção bruta  para quem é especialista em beneficiá-la, vendendo depois por um preço sobre o qual também incidirá impostos, já que o Governo não pode apenas se contentar com o lucro da atividade, e tem a obrigação de cobrar impostos para reinvestir mais ainda na produção que gerará novos impostos no futuro. E conclui, respondendo mais uma perplexa pergunta sua, que quando você garantiu exclusividade de exploração de suas terras como condição para que os investidores apostassem no seu negócio, tampouco poderia permitir que outros plantadores fizessem aquilo, também não poderia comprar aqueles mesmos produtos que são feitos a partir das suas cenouras e muito menos opinar no preço final delas na bomba, quer dizer, na venda, já que a empresa reservou para si o direito também exclusivo de distribuí-las, estabelecendo o preço final sobre os quais incidirão os tais impostos, que gerarão novos investimentos, novos dividendos, novos negócios, etc.

Ao cabo, o cenourólogo encerra a conversa lembrando que nem mesmo ele pode mais fazer qualquer coisa em seu favor, já que esse mercado é muito complicado, sujeita-se a regras internacionais, ao controle de gente que sabe melhor como cuidar dos seus investimentos, que tem lá seus compromissos com apoiadores, investidores, fiscais, sindicatos, partidos e até com negócios e promessas sobre os quais nunca lhe contaram, mesmo dispondo sobre suas terras, suas cenouras, seus investimentos e até sobre o preço que impuseram na hora de adquirir aquilo que saiu de seu quintal, mas lembra, triunfante, que você deve-se orgulhar de tudo isso afinal, “a cenoura é nossa”!

p.s.: Esse texto pode ser aplicado a qualquer produto, de petróleo a capim, ficando ao gosto do leitor trocar os termos conforme suas conveniências ou conclusões.

Gustavo Varella Cabral
Advogado, jornalista, professor
Mestre em direitos e garantias fundamentais pela FGV

Gustavo Varella Cabral
Gustavo Varella Cabral
Advogado, jornalista, professor Mestre em direitos e garantias fundamentais pela FGV

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