Cresci ouvindo o meu avô Leonel Brizola (1922-2004), que esse ano está sendo homenageado pelo seu centenário de nascimento, falar do ex-presidente de Portugal, Mário Soares (1924-2017) com gratidão por ele ter corrido riscos para ajudá-lo. Eles se conheceram em 1977, quando um jornalista brasileiro telefonou tarde da noite para Mário Soares avisando que Brizola fora expulso sem passaporte do Uruguai, por pressão dos militares, e se encontrava numa situação difícil.
O então primeiro-ministro não hesitou em ajudar Brizola, sequer pensou no formalismo de antes ter que consultar o presidente da República. Quando, na manhã seguinte, ele comunicou ao mandatário de Portugal a sua decisão, o presidente já a conhecia – e não estava nada satisfeito. Dias depois, após obter o seu passaporte, lá estava Brizola diante de Mário Soares para agradecê-lo pela solidariedade. Desde então Brizola e Mário Soares ficaram amigos
Fazendo um breve histórico da trajetória de Leonel Brizola, ele foi deputado estadual, prefeito de Porto Alegre (RS) e deputado federal. Ele foi o único brasileiro eleito pelo voto popular para governar dois estados diferentes: Rio de Janeiro, por dois mandatos, e o Rio Grande do Sul, onde nasceu. E foi como governador do RS que Brizola protagonizou um dos atos mais heroicos da história política do Brasil, quando liderou a “Campanha da Legalidade”, em 1961.
Nesse evento, ele resistiu aos militares que queriam impedir a posse do vice-presidente João Goulart, após a renúncia do presidente Jânio Quadros. Para defender a Constituição, Brizola ocupou o Palácio Piratini, montou uma estação de rádio e comandou 104 emissoras, formando uma rede de comunicação. E passou a transmitir seus discursos inflamados, 24h por dia, convocando os brasileiros a se rebelarem. A resistência venceu e Goulart tomou posse. Depois ocorreu o golpe de 1964 e Brizola foi perseguido pelos militares. Fato que o levou a viver 15 anos exilado em Uruguai, Estados Unidos e Portugal.
Quando Brizola desembarcou em Portugal, em 1978, eu tinha três anos de idade e não guardo lembranças. Passados 18 anos de sua morte, pesquisando sua trajetória encontrei relatos sobre um ser humano extraordinário que muito o ajudou em momentos dramáticos: Mário Soares (1924-2017), advogado e político, que ocupou cargos de Primeiro-Ministro de Portugal e Presidente da República Portuguesa. Por isso, é para mim impossível falar da vida de Leonel Brizola sem citar a participação de Mário Soares.
Foi Mário Soares quem garantiu as condições para a fundação de um partido por exilados, dando apoio político e material. Em 1979 Brizola organizou em Portugal, na sede do Partido Socialista Português (PSP), uma reunião para a refundação do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). Nessa ocasião foi aprovada a Carta de Lisboa. O PTB havia sido extinto em 1965 pela ditadura brasileira, e após um processo judicial, encerrado em 1980, Brizola perdeu o direito ao partido. Sua reação foi fundar o Partido Democrático Trabalhista (PDT).
Atualmente, o Brasil está vivendo um dos momentos mais trágicos de sua História Republicana. O atual presidente, que assumiu em 2018, está empenhado em destruir as instituições ligadas à ciência, cultura, educação, saúde, justiça social, defesa do meio-ambiente etc. Nesse ambiente político hostil e destruidor, é necessário denunciar ações antidemocráticas e buscar parcerias internacionais com personalidades com o simbolismo e força de Mário Soares para reconstruir o Brasil.
Leonel Brizola e Mário Soares. São dois políticos que lutaram bravamente pela democracia em seus países. Os dois foram humanistas, um brasileiro e um português, que traçaram o caminho em direção à democracia e à justiça social.
Juliana Brizola
Deputada – líder da bancada do PDT na Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul
Advogada
Mestre em Ciências Criminais
Secretária de Relações Internacionais do PDT – Partido Democrático Trabalhista.
