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A visão social de Oscar Niemeyer

Por ocasião da última visita do meu bisavô Oscar  Niemeyer (1907/2012) a Belo Horizonte, em 2008, conversávamos enquanto o táxi circulava pelas ruas. De repente, fomos surpreendidos pelo motorista, que interrompeu nossa conversa para perguntar: “Uai gente, Niemeyer não nasceu em BH? Tem tanta coisa dele aqui, que pensei”. Lembro-me dessa cena porque demonstra a relação calorosa que unia Niemeyer aos mineiros. Cresci ouvindo seus casos sobre Minas Gerais, seu entusiasmo durante a construção do Complexo da Pampulha e sua convivência com os amigos que colecionou pela vida: José Aparecido de Oliveira, Juscelino Kubitschek e Darcy Ribeiro e tantos outros. Por isso sinto-me em casa quando estou em BH.

Acompanho o caso do Edifício JK, projetado por Niemeyer em 1951, localizado na região Centro-Sul da capital mineira. Fiquei sensibilizado com a luta de um grupo de moradores para que essa obra seja tombada pelo patrimônio histórico. O processo administrativo para tombamento, aberto em 2007, está ainda em fase de instrução. A Câmara Municipal de BH convocou audiência pública para debater a função social e arquitetônica do Edifício JK. Em dezembro de 2021, determinou-se uma proteção provisória, enquanto não termina o processo de tombamento como patrimônio cultural. Essa medida vai impedir obras que descaracterizem o edifício.  

A construção do Edifício JK começou em 1952 e foi viabilizada porque JK, um político com visão moderna, era governador de MG. Localizado no terreno cedido pelo poder público, causou muita polêmica quando foi erguido  porque foi projetado para ser um novo modelo de moradia. Era a primeira vez que seria construído um prédio residencial com vários equipamentos públicos: museu de arte, repartições públicas e residências para funcionários, comércio e serviços. Como bem definiu o arquiteto e urbanista Flávio Carsalade, “o Edifício JK foi um exercício de Futuro”.

Infelizmente, essa proposta de compartilhamento público nunca foi colocada em prática. O conjunto Governador Kubitschek foi inaugurado em 1970, durante a ditadura militar, e o espaço destinado ao museu foi ocupado por uma secretaria de segurança pública. Recentemente, esse espaço foi liberado pela polícia civil e encontra-se fechado.

O coletivo de moradores VivaJK apresentou um projeto para a criação de um Mirante Urbano JK (MU.JK) no alto do Edifício JK. A localização é fantástica, com uma bela vista do centro de BH. Além da visão panorâmica, esse mirante vai criar um espaço de interação entre as pessoas. Para esses moradores, o edifício JK é um patrimônio da cidade. Por isso lutam para dar um destino coletivo para as áreas públicas do edifício e para preservar e requalificar esse marco do modernismo brasileiro.

Convivi com Niemeyer diariamente, como bisneto e como colega de profissão. Ele valorizava o debate sobre a relação entre as cidades e os equipamentos sociais. Por isso afirmo que ele apoiaria, com entusiasmo, o tombamento cultural e a criação de um mirante no Edifício JK. Essas ações permitirão disponibilizar áreas para uso público, respeitando o projeto original e a visão social de Niemeyer. Além disso, vai possibilitar a revitalização da região, transformando-a em um novo polo cultural para a cidade.

O Edifício JK é um senhor de 70 anos que deixou sua marca registrada na história da arquitetura brasileira, alcançando fama internacional por seu ousado modelo de habitação coletiva e social. Meu saudoso bisavô Oscar Niemeyer, que completaria 115 anos, esse ano, ficaria radiante com um mirante para expandir a visão sobre a cidade, alargando os horizontes, e não colocando grades e muros para afastar as pessoas.

Paulo Sérgio Niemeyer
Arquiteto, designer,  presidente do Instituto Niemeyer
Conselheiro estadual do Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU)

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