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16 de abril de 2024
terça-feira, 16 de abril de 2024

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Vamos depredar nossas casas

Dia desses, jogando conversa fora, ouvi uma interessante frase de um conhecido: “nossas casas refletem o mundo no qual vivemos, e este aquelas”. Malgrado a frase pareça “filosofia de botequim”, fiquei a pensar nela durante longos instante – e cheguei a algumas conclusões.

         A primeira delas é que deveríamos contratar alguém para periodicamente pichar todas as paredes de nossas casas, a fim de que possamos limpá-las para que possam ser pichadas novamente. Gastaríamos algum dinheiro com isso, claro – só Vitória perde R$ 180 mil por ano na limpeza de pichações, e o Rio de Janeiro R$ 1,8 milhão. Mas o que é algum dinheiro diante do prazer de integrar sua casa ao mundo?

         Aproveite as pichações para quebrar alguns objetos de sua casa – inspire-se nos óculos da estátua do poeta Carlos Drummond de Andrade, que já chegaram a ser furtados e substituídos cinco vezes em um único ano, malgrado estar ela situada em movimentada avenida do Rio de Janeiro.

         Não se esqueça de arrebentar as lixeiras e bancos de sua casa, trocando-os em seguida. Instale também na sua sala um “orelhão”, só pelo prazer de quebrá-lo depois, para que possa ser substituído – acredite: só Uberlândia gasta, a cada ano, R$ 3 milhões na reposição destes importantes instrumentos.

         Pendure na parede da sala alguma placa de trânsito amassada e perfurada por buracos de bala, em homenagem aos R$ 600 mil que o Rio de Janeiro gasta para repará-las por suas rodovias afora.

         Enquanto me perdia nestas graves considerações, não faz muito tempo seis estudantes japonesas de uma escola da cidade de Gifu viajaram de férias para a Itália, acompanhadas por dois instrutores. Em Florença, enquanto visitavam a bela Catedral Santa Maria del Fiore, viram um pedaço de parede todo rabiscado – turistas de diversas partes do mundo ali tinham escrito à mão seus nomes. As seis jovens nipônicas deram, então, suas contribuições para o emporcalhamento daquela linda igreja, ali escrevendo seus nomes e o do colégio ao qual pertenciam.

         Passado algum tempo, um outro turista japonês, visitando a mesma catedral, notou os pequenos ideogramas japoneses no meio de tantos rabiscos. Decidiu fotografá-los. Voltando ao Japão, enviou para o colégio daquelas seis estudantes as imagens do que reputou um ato de vandalismo. Tive a oportunidade de acompanhar, através da leitura diária dos jornais “The Guardian”, do Reino Unido, “Japan Today” e Asahi, do Japão, o incrível desfecho deste episódio.

         Dois dos maiores jornais e uma rede de televisão daquele país exigiram a imediata identificação dos vândalos. Três alunas foram imediatamente identificadas e receberam dois meses de suspensão como penalidade. A direção do Colégio pediu desculpas à Administração da Catedral, e perguntou se poderia enviar as alunas a fim de que elas removessem seus nomes da parede – o que, polidamente, os italianos recusaram.

         Os três outros alunos, de uma escola de Kyoto, identificados logo a seguir, se viram frente a uma pena de expulsão. Em seguida, chegou-se a um dos professores que acompanhavam o grupo, o qual foi imediatamente suspenso de suas atividades e acabou frente a uma pena de demissão.

         Chamou-me a atenção, neste episódio, a posição clara e firme das autoridades, dos jornais e da população – repudiaram, sob o título de “vândalos”, aqueles alunos e professores, recriminando-os por terem ofendido seus hóspedes e arranhado a imagem do Japão no exterior.

         O Japão não é um país perfeito. Tem lá suas graves falhas por corrigir. Mas não se pode negar que, neste episódio, deixou uma bela lição. E talvez a partir dela esteja o início da explicação do porque de aquela terra tão pobre ser tão rica, e da nossa tão rica ser tão pobre!

Pedro Valls Feu Rosa
Pedro Valls Feu Rosa
Desembargador do Tribunal de Justiça do Espírito Santo desde 1994. Programador de computadores, autor de diversos “softwares” dedicados à área jurídica, cedidos gratuitamente a diversos Tribunais do Brasil. Articulista de diversos jornais com artigos publicados também em outros países, como Suíça, Rússia e Angola.

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