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Uma diva de respeito

Portrait of American soul singer Aretha Franklin as she wears a strapless dress and pearl necklace and has her hair in a bun, 1977. (Photo bhy Hulton Archive/Getty Images)
Foto: Hulton/Getty Images

A rainha do soul Aretha Franklin morreu na quinta-feira, 16, aos 76 anos, de acordo com informações da agência The Associated Press. Segundo seu agente, ela estava em sua casa, em Detroit, e morreu com um estado avançado de câncer de pâncreas.

Em um comunicado, a família da cantora disse ter perdido “a matriarca e a pedra da família”. “O amor que ela sentia por seus filhos, netos, sobrinhas e sobrinhos não conhecia limites. Nós estamos profundamente comovidos pela incrível efusão de amor e suporte que recebemos de amigos próximos e fãs de todo o mundo. Nós sentimos seu amor por Aretha Franklin e nos traz conforto saber que seu legado sobreviverá”, diz ainda a nota. Os preparativos para o funeral serão anunciados nos próximos dias.

Aretha era uma força da natureza. A voz de enorme tessitura era capaz de alcançar agudos extremos, e ao mesmo tempo flutuar com segurança nos registros graves, sem contar o vibrato característico que acrescentava refinadas pitadas de balanço em seu jeito único de cantar. Aretha flutuava entre as notas, ora retardando, ora acelerando em momentos inesperados. Mas o que a tornou a Rainha do Soul, uma das grandes divas da música do século, sem dúvida foi o modo como transplantou a matriz gospel a outros gêneros populares, como o jazz, o blues, o pop.

Basta ouvir em sequência suas primeiras gravações, desde a primeira, de 1956, quando ela tinha 14 aninhos, disponível nas mídias digitais como Aretha Gospel. Na primeira faixa, There Is a Fountain Filled With Blood, apenas um órgão e seu próprio piano a acompanham; fiéis repetem “yes, yes” a cada verso. É de arrepiar. Aliás, se ouvir He Will Wash You White As Snow, em que o coral dos fiéis “responde” a cada verso com versos e palmas, você vai entender por que o gospel, nascido no sul dos Estados Unidos, ainda no século 19, é a matriz das músicas negras dominantes até hoje no universo das músicas populares. Sem concorrência.

Cinco anos depois, Aretha, com 19 anos, gravou um disco com o grupo de Ray Bryant, um dos pianistas de jazz mais blueseiros naquele início da década mágica de 1960. Ela canta e também toca piano, ao lado de Bryant.

Ouça o clássico de Gershwin It Aint Necessarily So, da ópera negra Porgy and Bess. A interpretação tem bastante a ver com Dinah Washington.

A Columbia, sua primeira gravadora, que a contratou ainda nos anos 1950, queria fazer dela a nova cantora sensação de jazz. Mas Aretha só encontrou o rumo definitivo em meados da década de 1960, quando passou a gravar para a Atlantic. De lá para cá, foram 18 Grammys, dezenas de milhões de discos vendidos. E o status de Rainha do Soul (ela foi coroada em 1967, em Chicago, pelo DJ Pervis Spann). São daquela década sucessos planetários como Chain of Fools, Spirit in the Dark e Think.

No final do século, 1999, saiu uma biografia autorizada de David Ritz.
Insossa, oficialesca. Em 2014, Ritz publicou o verdadeiro tesouro que colhera em suas pesquisas. Apesar dos protestos de Aretha, o livro altera o modo como a conhecemos. O maior mérito do livro é mostrar o profundo, decidido engajamento político da cantora na década de 1960 – ela cantou com Mahalia em 1963 para arrecadar fundos para a Grande Marcha a Washington de Martin Luther King e apoiou publicamente Angela Davis, militante pelos direitos civis dos negros. Tudo refletido em memoráveis canções como Respect, (You Make me Feel Like) a Natural Woman e Chain of Fools, todas gravadas na Atlantic.

Aretha é “filha” musical da região do Delta do Rio Mississippi, é bom não esquecer – descendente direta da grande Mahalia Jackson e de Clara Ward. Bendito delta que pariu gênios do blues do porte de Robert Johnson, Son House, Howlin Wolf, Muddy Waters e B. B. King, entre tantos outros. Ainda criança, cantava no coral e participava dos cultos na igreja, compartilhando as suingadas pregações do pai, o reverendo Clarence, que inspiraram ninguém menos do que James Brown, o mago da soul music. Mas em casa, sentadinha na escada junto com os irmãos Erma, Cecil e Carolyn, ouvia pianistas como Art Tatum e Nat King Cole dedilharem o piano da sala. Outros visitantes ilustres eram Oscar Peterson, Duke Ellington, Ella Fitzgerald, Billy Eckstine, Lionel Hampton. A cantora Dinah Washington era uma espécie de madrinha das crianças e ensaiava com elas. Esqueci de dizer: além dos irmãos, acotovelavam-se também naquela escada miraculosa amigos como Diana Ross e Smokey Robinson.

Por um belo texto de David Remnick para a New Yorker em 2014, ficamos sabendo que ela escrevia a parte de piano, a harmonia de base e os breaks da bateria desde Chain of Fools até Natural Woman. Remnick a considera “a maior cantora da história da música popular do pós-guerra”.

E resume algumas de suas inovações: “Só a partir de Amazing Grace, sua gravação de 1972, ela passou a receber os créditos devidos. É portanto surpreendente, embora não devesse ser, ficar sabendo que Lucky Old Sun, de Ray Charles, e a versão de Otis Redding para Try a Little Tenderness se inspiraram nas gravações de Aretha dessas canções; que ela mesma gravava em ‘overdubs’ suas muitas linhas vocais sete anos antes de Marvin Gaye tornar famosa essa técnica em Whats Going On; que Eric Clapton ficou intimidado de tocar guitarra com ela; que sua gravação de 1967 de Respect, de Otis Redding, formatou o modelo de uma soul music socialmente consciente e comercialmente viável por muitos anos; que Gaye se sentiu recompensado quando ela cantou sua Wholly Holy em Amazing Grace – o disco com o qual, além disso, Aretha ajudou a ‘inventar o gospel moderno'”.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

João Marcos Coelho, especial para o Estado
Estadao Conteudo
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