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quarta-feira, 24 de abril de 2024

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Piada de brasileiro

Dia desses, lendo o respeitado “Jornal de Notícias”, lá de Portugal, deparei-me com uma singular manchete: “Administração Pública deixa de exigir documentos que já detém”. Transcrevo, a seguir, alguns trechos da matéria.
         “O governo explicou que os cidadãos deixarão de ser obrigados a cumprir a “via-sacra” da entrega de documentos à Administração Pública que já estão na posse da mesma Administração Pública. Referiu, como exemplo, certidões de inexistência de dívidas ao fisco ou à Segurança Social”.
         Pronunciando-se, o Ministro do Desenvolvimento Regional Poiares Maduro explicou que “deixa de ser o cidadão que tem de fazer a via-sacra de ir recolher diferentes certificados e documentos na Administração Pública para ser a Administração Pública que tem de recolher ela própria a informação que já detém sobre o cidadão”.
         Fiquei curioso e saí à cata de maiores informações. Descobri, em outra reportagem, que este novo modelo “vai contribuir para uma mudança cultural da Administração Pública, que funcionará numa lógica integrada num mesmo espaço físico e com partilha entre parceiros”.
         Enquanto todas estas coisas maravilhosas acontecem lá em Portugal, continuamos nós, nestas terras tupiniquins, na peleja diária contra a burocracia, arrastando nossa dignidade de órgão em órgão, no aguardo de algum carimbo que nos conceda aquela cidadania tão apregoada em prosa e verso, inscrita na própria Constituição Federal.
         No que toca aos culpados por esta triste realidade, arrisco apontar dois: a “cultura do meu” e a vaidade – com a observação de que não raramente ambos se confundem e entrelaçam, de forma cúmplice e perniciosa.
         Comecemos pela “cultura do meu”. Enquanto estivermos a falar da MINHA autoridade, do MEU processo, da MINHA informação, da MINHA competência, do MEU setor, da MINHA prerrogativa, do MEU arquivo, e por tal trilha seguimos, nada mudaremos!
         Chega a ser chocante constatar que em meio a um acelerado processo de globalização continuamos, enquanto órgãos da Administração Pública, presos ao “meu”, rejeitando desde o uso integrado dos dados de que dispomos até a simples implementação de canais de comunicação mais eficientes.
         Vasculhe sua memória. Pense em quantas iniciativas de desburocratização você já assistiu – até um Ministério foi criado para tal! Lembre-se das vezes em que leu pelos jornais sobre projetos de integração de órgãos públicos. E perceba que todas estas boas intenções naufragaram, vítimas do “meu”.
         Olhe em volta. Veja, com olhos de ver, o absurdo de uma repartição cobrar de um cidadão informação de outra que funciona, não raramente, no mesmo prédio! E pobre de quem se dispuser a mudar isso – ao fim do cabo, estará “invadindo setores autônomos”, sempre ciosos dos seus instrumentos de manutenção de poder – seja lá o que for isso!
         O culpado seguinte, a vaidade, se não é menos tenebroso, apresenta-se mais sutil. De forma quase que imperceptível, vai ampliando as exigências da mentalidade burocrática que assola este país. Cria regras. Concebe formalidades. Engendra rituais. E com isso vai submetendo os mais fracos – aqueles do outro lado da mesa ou balcão.
         Trata-se de adversário tão pernicioso que nos faz esquecer a verdade simples de que as coisas da vida passam, e passam muito depressa – logo mais, seremos nós a estar do outro lado da mesa. Uma mesa que, algum dia perceberemos isso enquanto brasileiros, é redonda!
         Até lá, seja símbolo desta realidade o absurdo “Atestado de Residência”, uma prosaica conta de, por exemplo, telefone, emitida por alguma empresa privada e destinada a comprovar, perante a Administração Pública, que existimos e moramos em dado lugar. Interessante… parece piada! Piada de brasileiro!
Pedro Valls Feu Rosa
Pedro Valls Feu Rosa
Desembargador do Tribunal de Justiça do Espírito Santo desde 1994. Programador de computadores, autor de diversos “softwares” dedicados à área jurídica, cedidos gratuitamente a diversos Tribunais do Brasil. Articulista de diversos jornais com artigos publicados também em outros países, como Suíça, Rússia e Angola.

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