Uma profunda referência em minha vida é o dia 23 de outubro. Posso esquecer de tudo, mas não a data que marca o aniversário de minha mãe, Anna dos Santos Mendonça. Filha de portugueses, nascida em São Mateus em 23 de outubro de 1903, veio a falecer em 21 de janeiro de 1973, na minha casa, em Guarapari, onde foi sepultada.
Meu pai, Mesquita Neto, fez com que eu amasse minha mãe como se ela fosse um tesouro, um negócio sublime, acima de tudo que existe no mundo. Ele estava absolutamente certo.
Uma manhã minha mãe me deu uma ordem: “Pega dinheiro na caixinha e dá uma carreira no “seu” Dingo e compra meia dúzia de cebolas”.
Era menino,, pequeno, mas já era um serviçal: carregava água, varria a tipografia do meu pai, onde fazia o jornal O Norte, fazia as compras que minha mãe mandava e ainda tomava conta de Anamaria, minha irmã caçula e, à noite, minha irmã Daoulah me tomava as lições. Com aquela história de comprar cebolas, me revoltei: “tudo eu? Ninguém faz nada?”
Ouvindo aquilo meu pai fez-me sentar à sua frente: “Olha, sua mãe é a melhor coisa que existe no mundo. Nada, ninguém te amará mais do que ela. Ela morrerá por você, te defendendo em tudo que for necessário, daí a devoção de amá-la, como se fosse uma santa. Sua mãe é uma santa para você adorar para o resto de sua vida. Vá comprar as cebolas que ela pediu”.
Filho de espanhol não discute, cumpre. Peguei o dinheiro e fui correndo no “seu” Dingo comprar as cebolas. Quando cheguei, fui perto da minha mãe e disse para ela: “ As cebolas que a senhora pediu”. Ela me agarrou, com aqueles seus braços roliços e me afagou em seu colo farto, ressaltando: “Quem nesta casa é mais esperto, mas ágil do que ele? E me beijava sofregamente. De longe, meu pai acompanhava a cena.
Na manhã do dia 21de janeiro de 1973, às 8 horas, quando minha mãe expirou, sempre velada pela minha mulher, Osmy, que foi sua guardiã, a companheira dela por 16 anos, por ter sido acometida de uma trombose cerebral, eu me senti sozinho no mundo, como que desamparado. Ficava imaginando, como perdi a pessoa que eu mais amava assim de forma tão brusca, violenta, como se tira um dente!
Custei a entender a grande perda que eu tive, até que um dia, acho que de tanto imaginar o porquê, sonhei que eu era criança e minha mãe passava as mãos sobre meus cabelos então ruivos como pelos de milho, e segredou: Não fica triste. Eu estarei sempre ao seu lado.
Tenho um empregado, Celso, mais amigo do que empregado, que outro dia me falou: “Seu” Gutman, preciso de três dias para ir ver minha mãe, lá em Minas, Pode ser?”
Vá correndo, a hora que você quiser, e dá um beijo nela por mim.