Milena Mangabeira – [email protected]
“Sexo é o que se tem entre as pernas [órgão genital]. Gênero é o que se tem entre as orelhas [ego/pensamento]. E orientação é o que se quer entre os braços [com quem quer estar]”. Isto é o que explica Letícia Lanz, 62, psicanalista mineira que participa do “III Seminário de Educação, Diversidade Sexual e Direitos Humanos”, na Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), nesta terça-feira (29). Letícia é transgênero, casada com uma mulher, pai de três filhos e tem três netos.
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Psicanalista transgênero participa de seminário na Ufes, nesta terça-feira (29)
A história de Letícia Lanz não foi a primeira e nem será a última sobre a questão de gênero na sociedade brasileira. A psicanalista contou que seu conflito pessoal começou ainda quando criança, com quatro anos. Geraldo, nome de batismo, não gostava de brincar com os meninos e nem se vestir como um. Jogar futebol? “era um verdadeiro inferno”, disse.
Lanz gostava de brincar de boneca e de roupas de menina, mas também sentia atração por meninas. Na adolescência, com a descoberta da sexualidade, percebeu que “além de querer as mulheres, queria as roupas delas também”. Ela descobriu que existiam dois mundos e o que ela queria estar, era bloqueado.
Por muito tempo abafou essa questão andrógena de sua vida e tentou de todas as formas a se adaptar ao universo masculino. Nasceu em uma família de que tinha cinco filhos homens, e sempre se achou diferente deles por algum motivo. Em 1977, ano em que se casou com Ângela, sua atual e única esposa, quase desistiu do casamento uma semana antes.
A justificativa era “e se isso [o gênero feminino nela] acontecer durante o casamento?”. Mas seu pai, uma das figuras mais importantes da vida da psicanalista, foi o primeiro a entender seus questionamentos e o incentivou a tentar se compreender e, mesmo assim, não desistir do casamento.
Em 2004, depois de 27 anos de casada e já com filhos, Geraldo decidiu sair de casa e procurar viver uma personalidade própria e que não tinha nome de homem. Decidida, começou a se vestir como mulher em 1999, mesmo que de forma tímida. Abriu o primeiro clube “Crossdresser” no Brasil, onde pessoas de classe média se encontravam, e muitas, travestidas. Lá Letícia começou a “se mostrar se escondendo”. Em 2008, quando sofreu um enfarto, assumiu a posição de mulher e decidiu não se esconder mais de ninguém.
Segundo ela, esse foi um dos momentos mais difíceis de sua vida, porém, um dos mais bonitos: revelar para esposa que gostava de e queria ser mulher. “Ângela disse: era só isso?”, contou. Com a voz embargada contou que foi um grande alívio sentir a aceitação de sua companheira, a mulher de sua vida. Com os filhos também houve compreensão, e apesar da resistência vinda de sua filha mais velha, hoje todos a aceitam, sem preconceitos.
“Muitas pessoas se afastaram, mas os verdadeiros amigos ficaram comigo. Algumas amigas quando ficaram sabendo disseram que já suspeitavam. E hoje eu tenho orgulho de ser mulher. Antes, eu tinha vergonha de ser homem”, disse.
Letícia Lanz revelou que passou por muitas dificuldades antes e depois de descobrir sua transgeneridade. Ela disse que se assumiu tarde, já com 50 anos, e que não se arrepende. Diz que vive os melhores momentos da vida. “Sou uma mulher e vivo com uma mulher”.
Debate sobre diversidade sexual
O seminário que acontece durante os dias 29, 30 e 31 de julho, na Ufes, Letícia Lanz acredita que sua relevância está na oportunidade de os outros conhecerem os outros. Acredita que o país vive um momento onde a discussão sobre vários tabus estão bastante em voga.
Para ela, o ensino nas escolas e na família sobre os temas é necessário para ensinar a não rotular. Lanz não gosta de rotulações e se descreve apenas como gente. E vê a importância de uma preparação dos profissionais da educação para ensinar aos alunos com se deve tratar um transgênero, homossexual, ou travesti. “Todos devem ser tratados como gente”, encerra.