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Intervenção no Rio de Janeiro

A intervenção no Rio de Janeiro é um marco no debate público. Houve pouquíssimas reações contra – e, ainda assim, a maioria sendo politicamente motivadas por aqueles que defenderam intervenções no passado recente.

O taboo da ação militar em questões civis, duramente construído durante a transição democrática, e até aceito pelos militares, esboroou-se. Foi algo lento, com as obras do PAC, com a inação dos políticos nas suas atribuições, criando um vácuo. E até, mais recentemente, com as hesitações do Supremo quanto à possível candidatura do Lula que, segundo a imprensa, os militares simplesmente vetaram.

O que era apenas marginal no começo das manifestações do impeachment, a tal “intervenção militar constitucional”, acabou ocorrendo de fato. E ninguém disse nada, isso é o impressionante do ponto de vista do debate público. Apenas alguns: o pessoal da lavajato não gostou. Pois sabe que o crime é algo complexo, e as armas e as drogas são o resultado de organizações capilares. Não é uma guerra. Guerra contra quem? Contra os políticos que compram traficantes para obter votos? Contra os consumidores de entorpecentes? Contra a própria polícia que recebe parcela dos lucros de atividades ilegais? Contra o empregador que não paga salários adequados e aí só emprega quem mora em favela? Guerra é quando há um inimigo claro e meia dúzia de infiltrados; no caso, os criminosos estão espalhados pela socidade, não estão só nas favelas, e nem todos da favelas são cúmplices. (Além disso, a sociedade há décadas legitimou a favela como moradia de gente de bem, com programas de apoio que estimularam o enraizamento nesses locais. De uma hora para outra, a favela celebrada virou território inimigo?)

A esquerda, defendendo estelionatários no poder, deslegitimou a tradicional defesa dos direitos humanos, que ficou sem pai. A nova onda liberal, até onde vi, não vai encampar essa luta, pois está mais preocupada com os direitos de ofender e dos embriões do que das pessoas afetadas pela nova ordem militar.

Em 1992, a minisérie “Anos Rebeldes” inspirou os movimentos pró-impeachment. Nos anos 2000, houve até um excesso: a glorificação da luta armada em si, e não mais dos ideais dos jovens que, erroneamente, nela se engajaram. Agora temos uma reação a esse excesso, que deve assustar os democratas brasileiros. Já se pode ouvir nas ruas, nas redes sociais, nos comentários de jornais estabelecidos, uma tolerância quanto a opções de força. “A força do querer”, novela recente da Globo, não teve tanto impacto como “Anos Rebeldes”, mas penso inicialmente que também foi um marco: a favela foi mostrada como local de crime e cumplicidade, sendo os heróis o secretário da segurança e a policial. O traficante era um sujeito frio, perverso, manipulador e vagabundo. Eu particularmente gostei da novela, mas é fato que foi uma virada na visão romântica de que só falta mais oportunidades para a favela dar certo, que a culpa é do sistema, que os que são contra a lei são heróis em busca de uma sociedade mais justa. A lei foi apresentada como o certo, e não como o algoz.

Na vida real, parece que a sociedade brasileira está mais tolerante com a violência de estado para garantir a ordem, a qualquer custo. A demonização do golpe teve um outro efeito no debate público: ninguém se lembra de que a população apoiou o golpe de 1964 e que a oposição foi construída AO LONGO DE 20 ANOS! Gente de bem, culta, apoiou o golpe, ainda que o golpe dentro do golpe já tenha sido mais minoritário. Não são monstros que queriam os militares em 1964. Foi gente boa, gente comum, gente sem tendência à tortura. Demonizar o golpe eximiu os nossos pensadores de explicar por que aceitamos o golpe em 1964. Quais as condições para isso?

Essas condições estão presentes hoje? O que vamos aceitar daqui para diante? Teremos Bolsonaro como presidente? Isso tudo é muito sério, e vejo os liberais mais interessados na independência do banco central do que na independência do judiciário.

Heloisa Pait é socióloga e professora da Unesp de Marília

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