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Hartung diz a site que cenário político é péssimo, mas acredita no voto útil

Hartung AliencaçãoA democracia é um caminho duro e com obstáculos, mas é o único e precisa ser fortalecido. Prestes a encerrar sua carreira de cargos públicos eletivos, o governador do Espírito Santo, Paulo Hartung (MDB), manifesta preocupação com o cenário atual. “O ambiente político no nosso país não é ruim, é péssimo. A gente vem de um conjunto de equívocos”, disse em entrevista ao site Valor Econômico.

Para Hartung, um erro crucial, inclusive da oposição, foi não ter aprofundado a discussão em 2014 sobre a extrema gravidade dos problemas do país que precisam ser enfrentados e que já eram conhecidos naquele momento.

“Tanto o governo quanto a oposição apresentaram um país que não era aquele que estávamos vivendo, já estávamos em crise, e o que foi apresentado para a sociedade foi absolutamente superficial”, diz. Isso, somado a “uma recessão econômica brutal, uma crise política sem fim, uma crise social grave e uma crise ética”, abriu espaço para “vendedores de terreno na lua, para um surto populista”, avalia ele.

Apesar de dizer que no retrato de momento “não há esperança imediata de um governo sensato para os próximos quatros anos”, ele avalia que o voto útil deve crescer na reta final de campanha. Ele evita falar de um único candidato e prefere mencionar uma agenda reformista, que priorize equacionar o problema fiscal. No grupo dos que poderiam seguir esse caminho, ele cita Marina Silva (Rede), Geraldo Alckmin (PSDB), Henrique Meirelles (MDB) e João Amoêdo (Novo). “Já deveríamos ter idade mínima [na aposentadoria] há pelo menos 20 anos. Quando as pessoas querem culpar o teto de gastos, estão colocando a culpa na direção errada”, afirmou.

Figura benquista pelo setor financeiro e apontado como um bom quadro para um novo governo, ele desconversa sobre essa possibilidade, sem contudo descartá-la peremptoriamente. Aos 61 anos e a menos de quatro meses do fim de seu terceiro e último mandato no Palácio Anchieta, Hartung diz estar focado em encerrar sua administração “quietinho”, sem envolvimento na sucessão estadual. Ele foi governador capixaba de 2003 a 2010, além de ter sido, anteriormente, prefeito de Vitória e deputado estadual e federal.

Valor: O senhor não concorre à reeleição. Vai se aposentar?
Paulo Hartung: Não tem aposentadoria, não. Sou contra aposentadoria precoce [risos]. Ingressei na vida pública muito cedo, me elegi deputado estadual quando tinha de 25 para 26 anos, disputei eleição oito vezes e fui eleito nas oito. Em toda jornada de atividade profissional, você precisa ter uma reflexão de que em alguma hora precisa parar, isso sempre esteve na minha cabeça. Evidentemente que o momento que nós estamos vivendo também empurra nessa direção. O ambiente é péssimo no Brasil, a política está no chão. Quando eu voltei, em 2014, na primeira entrevista que dei, anunciei que não seria candidato à reeleição. Vim com a missão de reorganizar as contas do Estado e instituir políticas públicas que produzam resultados.

Valor: Então, no momento da candidatura, o senhor já sabia que não gostaria de permanecer?
Hartung: Já tinha clareza de que eu deveria cumprir essa missão e passar o bastão. Evidentemente que o mundo político fica com a esperança de você rever essa decisão e disputar a reeleição.

Valor: Qual o papel que o senhor gostaria de assumir nesse cenário de país que temos hoje?
Hartung: Repito aqui: abri mão de disputar mandatos eletivos. Estou com 61 anos de idade, vou continuar militando na política, escrevendo artigos, fazendo palestras, tendo opiniões sobre economia, política e a vida social do país. Vou continuar a formar lideranças também. Em todo lugar pelo qual passei, desde o movimento estudantil, sempre tive a visão de formar novos quadros. Isto é um desafio do Brasil, formar gente qualificada com capacidade de dialogar, convencer e mobilizar.

Valor: Como enfrentar essa descrença desses novos líderes? O senhor esteve ligado ao grupo que defendia candidaturas de chamados “outsiders”, como Luciano Huck.
Hartung: Essa é uma delicadeza que eu tenho trabalhado com muito jeito, de não dar nenhum passo, não produzir nenhuma frase que viesse a desanimar pessoas jovens que estão com vontade de participar da luta política do nosso país. Mas não tem jeito, essa desorganização do país está no cerne da minha decisão também. Precisamos formar gente, qual o problema central que temos? É a estrutura política eleitoral do país. Na verdade, ela está superada e, pior, além de ter ‘feito água’, ela aprisiona, é muro de contenção para um processo de renovação. Basta olhar o que é a legislação eleitoral e partidária, o voto proporcional e o fundo partidário. Precisamos oxigenar a política no país, trazer novas lideranças e ideias. Eu vejo tantas atitudes de pessoas que queriam participar, como o Luciano [Huck], o Joaquim [Barbosa] e o Bernardinho [ex-técnico das seleções feminina e masculina de vôlei]. Eles olharam, tiveram uma certa disposição, até brilho no olho, de poder entrar na disputa e participar do debate. Depois, olhando as amarras da estrutura partidária e eleitoral, voltaram atrás. Isso é muito ruim, mas é a realidade que nós estamos vivendo. Como a gente quebra isso? É formando mais gente. Hoje há tantos grupos operando na direção de criar uma esperança. Mas talvez nesta eleição a renovação seja baixa do ponto de vista qualitativo, como trocar seis por meia dúzia. “Está tão difícil debater as coisas com racionalidade no país. É só bravata, venda de terreno na lua ou em Marte”

Valor: O senhor não está na disputa. Tem um cenário ou preferência na corrida presidencial?
Hartung: Defendo com entusiasmo uma agenda reformista, de modernização. A visão que tenho é de que o país perdeu muito tempo nos últimos anos seguindo caminhos errados. O rumo certo é resolver o problema fiscal. Não é suportável um país continuar fazendo déficits orçamentários da magnitude que estamos fazendo, o país não fica de pé. Além disso, o Brasil precisa ter uma inserção maior nesse mundo conectado, precisamos de competitividade e produtividade. Esse campo, como pulverizou muito a política brasileira, ele está divididíssimo.

Valor: Alckmin, Meirelles…?
Hartung: Você tem Marina, Alckmin, Meirelles, Amoêdo, tem um conjunto de candidatos que abraçam totalmente, parcialmente ou significativamente uma agenda modernizadora. O que eu acho que vai acontecer nos próximos dias? Vai começar a ficar mais claro para o eleitor nas pesquisas o que é viável para primeiro e segundo turno. Acho que vai evoluir a ideia de voto útil no país, espero que isso ajude a um reposicionamento eleitoral. Eu vou estar com o candidato que se mostrar mais competitivo para pular para o segundo turno e ser competitivo no segundo turno com essa agenda correta. Muita gente deve fazer isso também.

Valor: Não cresce a preocupação de o centro não ter um representante competitivo? O que está aparecendo é uma polarização entre esquerda e direita. Ainda pode ter uma reviravolta?
Hartung: Eu não colocaria essa caracterização de centro, o que o país precisa é de uma agenda. E, mesmo que do ponto de vista econômico seja muito liberal, ela precisa estar combinada a uma agenda que dê igualdade de oportunidades para o conjunto da sociedade. Nunca procurei organizar centro, sempre procurei debater a organização de uma agenda correta: vai lá e faz a reforma da Previdência, prioriza a educação básica, que é uma bela ferramenta de igualdade.

Valor: Desde o atentado contra o Bolsonaro, o cenário não parece caminhar para acentuar a polarização?
Hartung: O ambiente político no nosso país não é ruim, é péssimo. A gente vem de um conjunto de equívocos, em um ambiente que já não é bom: você abre a janela e olha o mundo e vê que o ambiente não é bom nas democracias representativas. Se você olhar a consulta [sobre o Brexit] no Reino Unido, a eleição americana, a eleição recente na Itália…

Valor: Quais foram os equívocos?
Hartung: A condução da política econômica. Mergulhamos num intervencionismo governamental fora de qualquer consenso mundial, imaginando que o país seria movido a crédito e consumo. Mas o país não fez PIB, não fez emprego, mas fez um déficit fiscal que é o pior da história. Estamos vindo de uma série de equívocos econômicos e políticos, com a população perdendo renda.

Valor: Qual foi o erro político?
Hartung: O equívoco político inicial foi aquele debate ralo de 2014. Tanto o governo quanto a oposição apresentaram um país que não era aquele que estávamos vivendo, já estávamos em crise, e o que foi apresentado para a sociedade foi absolutamente superficial.

Valor: O PSDB falhou nesse sentido?
Hartung: Claro que falhou. Eu estava apoiando inclusive a oposição, mas está claro, o PSDB falhou como oposição. Porque o papel ali era tensionar e debater a realidade que o país estava vivendo já em 2014 e não ficar disputando quem ia dar mais Bolsa Família para a população. O que vem depois, do ponto de vista econômico e político, é um desastre, é a pior recessão econômica da história do país, uma crise de desemprego maluca, a renda desaba, o mal-estar se estabelece de uma maneira dramática. Esse é o ambiente ruim do nosso país, por isso que está tão difícil debater as coisas com racionalidade no país, é só bravata, venda de terreno na lua ou em Marte.

Valor: Isso propicia a ascensão de discursos populistas?
Hartung: No Brasil, o ambiente é pior ainda porque soma-se ao problema de uma certa desatualização do sistema político global, uma recessão econômica brutal, uma crise política sem fim, uma crise social grave e uma crise ética. A resultante disso, para o cidadão que está tentando buscar condições de sobreviver, é raiva, revolta e mal-estar.

Valor: E abre espaço para a ideia da solução fácil?
Hartung: Isso é ambiente propício para vendedores de terreno na lua, para um surto populista. Tenho esperança de que, no afunilar das campanhas, a racionalidade dê espaço para, no segundo turno, alguém com capacidade de debater a agenda correta. Tenho esperança de que isto ocorra: vá o candidato com a agenda correta para o segundo turno.

Valor: Mas existe uma fragmentação, o senhor mesmo citou a Marina, o Meirelles, o Alckmin e o Amoêdo, que têm uma agenda com semelhanças
Hartung: Ninguém precisa se juntar, na política o eleitor faz esse serviço. Eu acho que tem uma racionalidade do eleitor que vai se apresentar nos próximos dias. “Tenho esperança que o afunilar da campanha dê, no segundo turno, espaço a alguém com capacidade de debater a agenda correta”

Valor: Alguns analistas citam o senhor como um nome interessante para a Casa Civil, por exemplo. O senhor poderia ter eventualmente algum cargo de articulação no novo governo?
Hartung: Primeiro, nós precisamos tentar sair dessa encruzilhada em que o país se encontra nesse momento. Se você olhar o quadro atual, de momento, não há esperança imediata de um governo sensato para o país nos próximos quatros anos. Evidentemente que tenho esperança de que nessa reta de chegada essas coisas possam clarear na mente de segmentos importantes de eleitorado brasileiro. Mas é uma coisa de cada vez, primeiro é tentar ver se a gente consegue dar um “drible de Garrincha” nesse surto de populismo que o país está vivendo. Se a gente cai nessa armadilha, eu tenho muita preocupação com o que vai acontecer nos próximos quatro anos. O Brasil vem de uma jornada horrorosa, já queimou o que tinha e o que não tinha para dar, conseguiu trazer de novo experimentos de política econômica que deram errado no mundo inteiro. Se a gente não sai desse surto, envereda para um governo populista, o Brasil não aguenta isso.

Valor: O senhor vê risco de ruptura, como outro impeachment ou até interrupção no sistema democrático?
Hartung: Eu não me coloquei a favor do impeachment da [ex-presidente] Dilma [Rousseff]. Não via ali solução, também não achava positivo [o governo petista]. Não tem nada de golpe, está na Constituição, mas não dava caminho para o país e era mais uma interrupção do processo democrático. A democracia é frágil no Brasil, nós temos experiência autoritária recente na história. Precisamos fortalecer a democracia e fazer isso é saber que não há desvio. Tem um caminho, que é duro e cheio de obstáculos, mas precisamos segui-lo.

Valor: Candidatos que pregam autoritarismo são um risco?
Hartung: Nós democratas precisamos trabalhar para fortalecer a democracia. Isso é importante. Os candidatos estão colocando as suas ideias. O eleitor vai ter o direito a escolher o seu candidato, precisamos seguir as regras do processo democrático.

Valor: O senhor não vai apoiar candidatos no Espírito Santo?
Hartung: O meu esforço pessoal não é decidir quem ocupa qual posição no Espírito Santo. O meu esforço pessoal é entregar o Estado de uma maneira diferenciada no Brasil, estou escrevendo um livro sobre isso que deve ficar pronto nos próximos dias.

Valor: Há quatro anos, o senhor disse que o Estado estava quebrado…
Hartung: Não, eu disse que ele estava saindo do trilho, flertando de novo com a desorganização fiscal, estava assumindo despesas continuadas em descompasso com a evolução da sua receita. Eu vim, reorganizei a situação. O Estado está com as contas organizadas, as políticas públicas na área social, com bom resultado, queda da mortalidade, aumento da expectativa de vida, melhora da coleta de esgoto e da qualidade da educação, como mostrou o último Ideb. Tudo isso com problemas graves como o da Samarco [que paralisou atividades depois do desastre ambiental em Mariana, MG] e o do setor de petróleo e gás.

Valor: Muita gente discute a viabilidade do teto de gastos, fala da necessidade de rever a folha de pagamento, depois da Previdência. Quais são as saídas?
Hartung: Vou começar de baixo para cima. São poucos os Estados que estão organizados, os que estão conseguiram conter o avanço da despesa de ativos e inativos. Os que não conseguiram foram para o atraso de pagamento de servidores, aposentados e fornecedores. Quando você sobe para a União, você tem o problema da Previdência, já deveríamos ter idade mínima há pelo menos 20 anos. Quando as pessoas querem culpar o teto, estão colocando a culpa na direção errada. Não é o teto que é problema, é como estar com febre e botar culpa no termômetro. O problema é que as contas estão desorganizadas, a força de grupos corporativos é imensa e eles trabalham sempre no sentido de as reformas não serem feitas. Ou você conserta esse quadro ou tira as perspectivas desse país.

Valor: O que o senhor acha da reforma do ensino médio e da Base Nacional Comum Curricular?
Hartung: Temos participado ativamente, algumas das medidas do novo ensino médio tínhamos implantado no Estado, como a educação em tempo integral. Fomos buscar a experiência bem-sucedida do ginásio pernambucano, da época do Jarbas Vasconcelos, demos o nome desse projeto de Escola Viva. Isso está previsto na reforma proposta pelo governo federal, é uma boa reforma, é importante falar. Os sinais positivos para a educação existem. O que precisamos é colocar prioridade absoluta na educação básica.

Valor: O senhor é visto com simpatia no setor privado, no mercado. Com a ‘aposentadoria’ de cargos eletivos, está recebendo convites?
Hartung: Da oportunidade passada em que terminei meu mandato de governador, fui trabalhar em conselhos de empresas, foi uma experiência positiva, mas ainda não estou tratando disso, estou focado na questão de terminar esse governo de uma maneira diferenciada no Brasil. E depois vamos partir para novo momento da minha vida, organizando uma coisa de cada vez, passo a passo.

Valor: O senhor descarta mesmo apoiar algum candidato ao governo do Espírito Santo? Nem ao Senado?
Hartung: Estou só cuidando de administrar o Espírito Santo. Estou quietinho, cuidando da administração, pode perguntar a qualquer um por aqui.

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