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Graduação da depressão: quando o peso da vida acadêmica esgota emocionalmente os alunos

depressao estudos1Há quem chame de “mimimi”. Mas a vida acadêmica atual não é a mesma de 10 anos atrás e, não só os cursos de (pós) graduação em si, mas todo o contexto social e de mercado que os envolve, têm exigido mais dos alunos. A intensidade do sofrimento psíquico vivenciado é traduzido nos índices de depressão e de sintomas a ela ligados, que nunca estiveram tão altos entre universitários. E, infelizmente, notícias de suicídios têm sido dadas – a mais recente relativa a um estudante de engenharia civil da UFMG, que havia dito a um amigo que estava “a ponto de explodir”.

A psicóloga Simone Audibert, que pesquisa a qualidade de vida de estudantes universitários no Espírito Santo, explica que as crises psicológicas na graduação podem acontecer em virtude de tratar-se de uma fase de transição para o aluno. Mas que essas crises têm sido potencializadas pela ideologia produtivista das faculdades e universidades.

“A transformação da adolescência para a fase adulta vem com uma nova carga de responsabilidade e isso já é um fator de stress e risco para depressão. É uma fase de muitas dúvidas em relação à carreira, desilusões, responsabilidades da fase adulta, separação da família, questão de moradia e outras dificuldades. A etapa em si pode ser estressante, isso fora as questões relativas do curso. A ideologia produtivista presente no modelo capitalista mercantil chega na universidade aumentando o nível da exigência acadêmica”, explica Audibert.

“Já pensei umas três ou quatro vezes em largar tudo porque achava que não ia aguentar. Chorei perto de prova achando que não ia dar conta, tive ataque de ansiedade, pois o ritmo é bem estressante. Em grande parte da minha turma é visto isso. Inclusive pessoas que largaram ou trancaram o curso por conta disso, que estão fazendo tratamento psicológico, que realmente entraram em depressão, que estão buscando formas de espairecer”, relata Marina Patrocínio, 22, estudante do sexto período de medicina de uma faculdade particular da Grande Vitória, e que frequenta o programa de atenção psicológica aos alunos de sua faculdade.

Sofrimento 

Uma amiga, que não quis se identificar, endossou os motivos de tamanho sofrimento. “É muita pressão que vem dos professores, de casa, da sociedade; da noção de que um dia vamos estar lidando com vidas; do incentivo de um lugar de competição entre os próprios alunos: ‘você tem que ser o melhor, não aceitamos os medianos’. Vem da carga horária pesada, integral, o que é compreensível, mas também da falta de espaço para respirar entre as provas, que não são organizadas de maneira a ajudar o aluno. Não existe possibilidade de se pensar em reprovação num curso de R$ 7 mil. Evito falar que faço medicina, pois as pessoas cobram uma postura de 24 horas de médico. Recebo comentários falando que só posto foto em festa. Direto, em semana de prova, choro, fico sem dormir, penso que não vai dar… É tenso”, desabafa a estudante de medicina do sexto período. Ela revela que fez um tratamento psiquiátrico de um ano e seis meses a partir do segundo período da faculdade, o que a ajudou a lidar com as pressões da fase.

Simone Audibert esclarece que o que acontece com as estudantes é o extremo do cansaço, um esgotamento causado pela sobrecarga de atividades. Além disso, conforme citou a estudante Marina Patrocínio em suas declarações, a psicóloga explica que falta tempo para muitos graduandos para o lazer e o repouso.

“Existe um alto nível de exigências, devido à carga curricular extensa e falta tempo para cuidar de si, fazer o que gosta. Alguns acabam não se alimentando bem. É pouco tempo destinado ao sono e um nível alto de stress e ansiedade que leva à insônia. Questões relacionadas a disciplinas quando elas têm pouca didática do professor e prazos curtos para entregar atividades, estudar para provas. Muitas vezes a competitividade é instalada, são poucas vagas de estágio, expectativa de poucas oportunidades no mercado. Alguns alunos têm jornada dupla de trabalho, afazeres domésticos e ainda estudos. Isso causa desânimo, tristeza e doenças físicas”, analisa Audibert.

39% dos pós-graduandos têm sintomas de depressão

“Tive problemas de ansiedade e depressão na época do vestibular e início da faculdade. No final dela, com monografia, estágio e, no meu caso, prova da OAB, a sensação que eu tinha era que não daria conta e ficaria louca. Terminei a faculdade e comecei a estudar para concurso, o que também me fez muito mal. Hoje ainda estudo, mas com ajuda de psicólogo e psiquiatra”, revelou uma advogada de 27 anos.

Estima-se que mais de um terço dos estudantes de pós-graduação, apresentem sintomas depressivos de moderados a severos. Foi o que mostrou a pesquisa “Evidências de uma crise de saúde mental no ensino de pós-graduação”, da Universidade do Texas, publicada na revista Nature Biotechnology, em março deste ano. Foram 2279 acadêmicos entrevistados, de 234 instituições de ensino, em 26 países e os dados revelaram indícios de uma crise na saúde mental no ensino superior, demonstrando alto índice de sintomas de depressão e ansiedade (40% dos que demonstraram este índice eram de cursos nas áreas das ciências biológicas ou físicas, ou engenharia).

O estudo revelou que 41% de todos os entrevistados demonstraram sintomas moderados a severos de ansiedade e 39% de sintomas moderados a severos de depressão. De acordo com a pesquisa os principais indicadores que embasaram os resultados foram relacionados a “perspectivas de carreira”, “condições de vida”, “estabilidade financeira”, “preparação acadêmica” e “progresso”.

Existe também uma significante variação dos resultados por gênero. Cerca de um terço dos estudantes do sexo masculino afirmaram sentir sintomas tanto de ansiedade quanto de depressão, enquanto 40% do sexo feminino afirmaram vivenciar a mesma situação.

“No caso dos estudantes nos primeiros períodos dos cursos de graduação, eles têm pela frente um universo acadêmico novo, exigente, nem sempre agradável e que exige certos conhecimentos previamente adquiridos para o êxito nos estudos. Por outro lado, se os acadêmicos estiverem cursando os últimos períodos dos seus respectivos cursos, sinaliza no horizonte das suas vidas um mercado de trabalho saturado e altamente competitivo”, exemplifica Ivo Carraro, psicólogo e professor do Centro Universitário Internacional Uninter.

Segundo Carraro, esses estão entre os motivos que levam os alunos a desenvolverem processos ansiosos e estados depressivos. “Some-se a eles a vida acadêmica alongada pelos cursos de pós-graduações, especializações, mestrados e doutorados, como condição necessária para uma colocação no mercado de trabalho”, finaliza.

Universidade presta serviço gratuito de atenção psicológica aos alunos

Professor de Medicina e Psicologia da Universidade Vila Velha (UVV) e responsável pelo Serviço de Orientação ao Universitário (SOU) – serviço de acolhimento e orientação psicopedagógica aos alunos da Universidade, realizado pelo curso de Psicologia – Roger Machado afirma que vem percebendo o crescimento do sofrimento psíquico de modo geral entre os alunos, assim como acontece na maioria das instituições.

Ele explica que o SOU surgiu justamente diante da preocupação com as demandas que envolvem a passagem do ensino médio para o mundo acadêmico e as pressões e diferentes graus de sofrimento a que os alunos podem estar sujeitos. De acordo com o professor – que também dá aulas na Emescam, para os cursos de Medicina e Fisioterapia – são cerca de 180 atendimentos individuais a cada semestre, além das ações coletivas realizadas pelo serviço.

“Recebemos demandas que têm um quadro de comprometimento depressivo importante. O que é mais comum entre os alunos são sintomas de ansiedade. Principalmente os alunos até o quarto período, que se deparam com uma realidade diferente, academicamente falando, apresentam quadro de insegurança grande para dar conta das obrigações e para lidar com o êxito que a sociedade exige deles”, explica o professor.

E completa: “Alguns apresentam estado de fobia e medos importantes em situações de apresentação de trabalhos, prova, avaliações. Apresentam ansiedade fruto da insegurança… e, com o passar do tempo, a permanência desse quadro pode levar a um estado de depressão, visto que a pessoa luta contra os próprios fantasmas e acaba desenvolvendo outros sintomas, como stress e cansaço. Alguns pensam em desistir, se acham incompetentes para dar conta do que é exigido, sentem-se pressionados a dar respostas, acham que não podem reprovar ou ficar de prova final pelo contexto social… Isso acarreta um estado de sofrimento e angústia muito grande”.

Maioria é da medicina

De acordo com o professor Roger Machado, a maioria dos atendimentos do SOU UVV são com alunos de cursos na área da saúde, sobretudo os de medicina. Alunos de medicina veterinária e do próprio curso de psicologia também estão entre os mais atendidos. “Alunos dos cursos na área da saúde são os que mais se sentem fragilizados. Dentre eles os alunos da Medicina são os mais atingidos pelo sofrimento, por todo o universo que estão inseridos. Coincide com dados nacionais. Ouvimos de alunos a frase: ‘médico não pode errar’. Já vêm com a ideia de que médico é um semideus e isso acaba tendo um peso importante nesse sofrimento”, afirma Roger.

E explica: “Quando se fala na possibilidade de reprovar em matéria isso é inadmissível para os alunos que conversamos, devido ao valor do curso. São pressionados pelo sentimento de dívida pela questão financeira. E, quando há reprovação, o sentimento de culpa vem mesmo”.

De acordo com o professor, a sociedade também têm um peso importante em todo o quadro psíquico dos universitários, pois cria uma série de aspectos que favorecem a ansiedade.

“A sociedade se alimenta de modelos e imagens irreais que impõe às pessoas um modelo a seguir. Precisamos, dentro das famílias, discutir as exigências desses modelos, de que só o primeiro lugar é importante; de que sucesso tem relação com ganhar muito dinheiro, como se as ideias devessem ser seguidas de forma alienada. Deve ser conversado desde cedo, na criação dos filhos, esse consumo imposto na sociedade que não se baseia em necessidade. Deve-se repensar o modo que nos relacionamos com a questão da competitividade. É preciso muitas mudanças para conseguirmos uma sociedade que pressione menos, que não impute tanto sofrimento na base da existência de cada um”, frisa.

Práticas saudáveis e repensar a educação para combater a depressão

Para combater os quadros que podem desencadear a depressão, o estudante deve incluir estratégias de autocuidado na rotina. A psicóloga e pesquisadora Rafaela Roman recomenda três pilares: prática de atividades físicas, alimentação adequada e atividades relaxantes – estas podem variar para cada pessoa, mas devem ser iniciativas que tragam satisfação, equilíbrio e relaxamento. Quando essas estratégias não são suficientes para reverter um quadro mais complexo, a recomendação é que procure assistência profissional.

“É fundamental que exista o suporte de profissionais especializados. Psiquiatra, psicólogo ou outros profissionais poderão contribuir para que ele alcance um equilíbrio na sua saúde”, destaca a psicóloga.

Além disso, as faculdades e universidades também devem fazer a sua parte. A psicóloga Simone Audibert propõe uma conscientização visando uma mudança cultural em todo o aspecto produtivista voltado unicamente a resultados, que envolve o mundo acadêmico atual. Além disso, programas de saúde mental, como o SOU, devem ser adotados nas instituições de ensino superior.

“É preciso ter um equilíbrio para que exista uma produção de qualidade, que o aluno desenvolva suas potencialidades, mas sem custo para a saúde. São importantes os programas de saúde mental nas instituições, que possam detectar precocemente os alunos com vulnerabilidades e problemas de desempenho, para que se possa construir um melhor ambiente de aprendizagem”, explica Audibert.

Para Roger Machado, tanto as instituições, quanto os professores também devem repensar cotidianamente suas práticas acadêmicas. Ele também é favorável ao incentivo de espaços de coletivização nas faculdades.

“Eu, como professor, tenho que pensar em práticas acadêmicas que sejam potencializadoras da aprendizagem. O contexto de aprendizagem não precisa ter autoritarismo, pressão, imposição pela força. Tenho que pensar em práticas que sejam mais afetuosos, que acolham mais esse aluno. As instituições de ensino e professores precisam ser mais acolhedores para garantir o mínimo de conforto e possibilitar aprendizagem sem sofrimento”, afirma Machado.

E completa: “Hoje, o sentimento de isolamento e solidão do jovem é grande. Existe dificuldade de se enturmar, pois a tecnologia tem substituído as relações humanas. A tecnologia é excelente, mas quando substitui a relação direta é prejudicial. É preciso ter consciência disso. A abertura de espaços de coletivização, de encontros, formação de grupos de estudo e de debate, formação das atléticas, centros acadêmicos e diretórios acadêmicos… toda a organização dentro do contexto institucional favorece a troca, o que minimiza o sentimento de desamparo, que muitas vezes pode culminar na depressão e ideação suicida”.

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