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As mulheres de lá e de cá

Dia desses fiquei a pensar nas estatísticas. São tão distantes, as estatísticas! Parecem referir-se sempre a realidades outras, que não compõem o nosso cotidiano. Quando negativas, parecem sempre retratar problemas que não vivemos. De assaltos a homicídios, da fome às doenças, das crianças às mulheres, estatísticas quase nunca nos convidam a refletir sobre os nossos pequenos mundos.

Vejamos o exemplo das mulheres: no seio de uma humanidade que já foi à Lua e prepara-se para ir a Marte 603 milhões delas – quase três vezes a população do Brasil – vivem em países nos quais a violência doméstica não é considerada crime.

A cada novo milagre da medicina a raça humana celebra sua ciência – enquanto pratica a mutilação genital em 140 milhões de mulheres, quase sempre de forma grotesca e sob as piores condições possíveis.

Enquanto milhares de economistas discutem apaixonadamente os mecanismos de manutenção do nosso sistema financeiro, a cada dia mais complexo e incompreensível para o comum dos mortais, 840 milhões de mulheres vivem com menos de US$ 1 por dia.

Nossos mais modernos laboratórios comemoram a aurora de novos e avançados medicamentos, passando ao largo do fato de que 221 milhões de mulheres não tem acesso sequer a um prosaico tratamento de controle de fertilidade.

As proezas da engenharia alcançam tal brilho que nos cegam para a realidade de que uma a cada seis mulheres não consegue ter acesso sequer a água tratada.

A humanidade se maravilha – e às vezes se indigna, até – com a fria eficiência dos sistemas automáticos de vigilância, que já registram e controlam larga parte de nossas vidas – mas não a das 20,5 milhões de mulheres vítimas de tráfico humano.

Universidades as mais equipadas, com orçamentos superiores aos de diversos países, atraem nossos jovens, os quais lá aprenderão em alguma aula que 20,3% das mulheres deste planeta são analfabetas.

Nossas leis, construções mentais magníficas, são a cada dia mais especializadas – quase nunca tratam, porém, das 2,6 bilhões de mulheres que vivem em locais nos quais o estupro conjugal é perfeitamente legal.

Envaidecidos, passamos os dias a recitar as maravilhas da globalização – sem mencionar, no entanto, o contraste desta com as 140 milhões de mulheres que vivem como refugiadas em acampamentos.

Finalizo recordando nossas instituições, magníficas na aplicação das leis que nos regem – mas que se esquecem de que 35% de nossas mulheres passam a vida sofrendo abusos de toda sorte, poucos dos quais acabam em punição.

Todos estes números são históricos, públicos e notórios – mas paradoxalmente permanecem lá longe, como se distantes nos fossem. Porém, não o são – e eis aí algo que deveria ser objeto de reflexão.

Diante de estatísticas como as acima relacionadas, nossa reação costuma ser de indignação – mas também de impotência. Mas eis que podemos, sim, diante de uma realidade que já bate às nossas portas, fazer algo.

Fiquemos, hoje, com a violência: ressalvadas algumas exceções, nossas cidades não oferecem sequer um lugar no qual mulheres possam exercer a tão sagrada cidadania de forma digna e tecnicamente eficiente – algo que custaria tão pouco!

Por vezes humilhadas, acabam retornando para seus locais de suplício, digo, suas moradias, nas quais invariavelmente reiniciar-se-á um novo ciclo de tormentos.

Eis aí algo concreto – mais um passo na caminhada de resgate da cidadania. E que está ao nosso alcance, enquanto povo.

Pedro Valls Feu Rosa
Pedro Valls Feu Rosa
Desembargador do Tribunal de Justiça do Espírito Santo desde 1994. Programador de computadores, autor de diversos “softwares” dedicados à área jurídica, cedidos gratuitamente a diversos Tribunais do Brasil. Articulista de diversos jornais com artigos publicados também em outros países, como Suíça, Rússia e Angola.

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