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As guerras dos miseráveis

Hoje faremos um jogo. Darei o número de mortos em diversas guerras que estão acontecendo pelo planeta afora. Pegue um papel e um lápis, ordenando-as conforme uma escala lógica de repulsa. Logo em seguida direi em quais regiões estão sendo travadas.

         A Guerra nº 1 já causou nada menos que sete milhões de mortes. O país que lhe serve de cenário tem apenas 50 milhões de habitantes – vale dizer, estamos falando de um conflito que fez desaparecer nada menos que 14% da população.

         A Guerra nº 2 produziu, segundo os últimos cálculos, nada menos que cinco milhões de vítimas. Considere ainda que deu margem ao estupro de nada menos que 300 mil mulheres, conforme dados já validados pelo Conselho de Segurança da ONU.

         A Guerra nº 3, conforme levantamos atualizados, ceifou até o momento 174 mil vidas em um país cuja população situa-se em torno de 35 milhões de habitantes.

         A Guerra nº 4, travada há mais de uma década, eliminou da face da terra 21 mil civis e precisos 3.466 soldados até o dia 17 de agosto de 2014.

         Antes de divulgar o gabarito, peço licença para uma observação: qualquer ser humano dotado de um mínimo de sensibilidade entenderia demandarem reações mais fortes as guerras que mataram milhões, no confronto com as que vitimaram milhares.

         Mas eis que é exatamente o contrário! A Guerra nº 4, travada no Afeganistão, tem sido objeto de filmes, reportagens, passeatas e protestos inflamados – assim como a Guerra nº 3, que tem como palco o Iraque.

         Enquanto isso, a Guerra nº 1, que acontece aqui perto, na Colômbia, sequer é mencionada no cotidiano da raça humana! E muito menos a Guerra nº 2, que vem devastando o Congo.

         Vamos aos cálculos: as guerras travadas no Congo e na Colômbia, juntas, já causaram a morte de umas 12 milhões de pessoas – contra 198.466 nos cenários do Iraque e Afeganistão somados.

         Não estou – e fique isso absolutamente claro – a menosprezar as vítimas dos conflitos do Iraque e do Afeganistão. Muito pelo contrário. Lamento cada perda, e aplaudo cada filme, cada discurso e cada passeata de protesto.

         Só não compreendo os motivos que levam algumas guerras a serem notícia, e outras, não. Acho difícil de entender as razões que levam a morte de milhares a ocupar espaço  inversamente proporcional ao do massacre de milhões.

         Mas prossigamos: mesmo nas guerras que causam comoção há eventos que, surpreendentemente, passam ao largo. Não faz muito tempo, por exemplo, médicos da cidade iraquiana de Fallujah foram a público relatar um alarmante aumento no número de crianças nascidas com deformidades – segundo eles por conta da contaminação por resíduos radioativos da munição de urânio empobrecido utilizada pelos exércitos ocidentais. Os jornais locais relataram ainda índices de contaminação próximos de 45% na população da cidade de Basra, e bem assim detalharam 39 áreas com sensível atividade radioativa naquela região.

         Eu não sei se isso é verdade. Eu só sei que quase ninguém falou nisso! E eis aí uma denúncia merecedora de ampla investigação, porquanto baseada em fatos. Eis aí, enfim, uma notícia que deveria merecer profunda reflexão por parte de toda a civilização – eu disse civilização? – ocidental.

       É quando encerro este com uma entrevista do Coronel inglês T. E. Lawrence, publicada no jornal “Sunday Times” do dia 22 de outubro de 1920: “Os comunicados de Bagdá faltam com a sinceridade. Nossa administração é mais sangrenta do que aquela que nos descrevem. Cidades inteiras foram arrasadas pela aviação. Blindados forçavam as populações em pânico rumo a campo aberto, onde poderiam exterminá-las melhor”.

         De lá para cá, uns cem anos se passaram. E continuamos sem saber ao certo o que se passa, afinal, com os miseráveis!

Pedro Valls Feu Rosa
Pedro Valls Feu Rosa
Desembargador do Tribunal de Justiça do Espírito Santo desde 1994. Programador de computadores, autor de diversos “softwares” dedicados à área jurídica, cedidos gratuitamente a diversos Tribunais do Brasil. Articulista de diversos jornais com artigos publicados também em outros países, como Suíça, Rússia e Angola.

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