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Abuso sexual: 20% dos casos contra menores têm início a partir das redes sociais

violencia_sexual_contra_crian__a___paulo_pires-775684“Primeiro existe esse contato no mundo virtual, através do qual a vítima é atraída. Ela cai numa armadilha: os abusadores usam fotos e vídeos que atraiam a criança ou adolescente. A partir daí ganham confiança, marcam um local para encontrá-la e consumar o abuso”.

A fala é do delegado Lorenzo Pazolini, titular da Delegacia Especializada de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA) do Espírito Santo. Pazolini afirma que cerca de 20% dos casos apurados pela delegacia no ano de 2017 tiveram início no ambiente virtual.

Ele alerta sobre o perigo das redes sociais e da necessidade de que efetivamente os pais monitorem e acompanhem os ambientes virtuais que a criança e/ou o adolescente vem navegando. “Já existem dispositivos que permitem isso. Tem programas que conseguem vetar o acesso de acordo com o filtro de conteúdo. Aplicativos de controle e acompanhamento em tempo real que, em outro lugar, é possível saber em qual site ou ambiente virtual o filho está, e o que está fazendo na internet”, aconselha o delegado. Caso o pai ou responsável suspeite com relação ao contato virtual do abusador, a recomendação do delegado é procurar a polícia.

No dia 18 de maio, marco do combate contra o abuso e a exploração sexual de crianças e adolescentes em todo o Brasil, infelizmente não há muito o que comemorar. Dados da DPCA consumados no ano passado dão conta de que foram concluídos 1006 inquéritos com autoria relacionados a abusos sexuais. Mas somente 77 criminosos (7,6%) foram presos. Isso significa que 929 abusadores pegos pela polícia no ano passado estão soltos.

Apesar disso, o número de presos este ano ainda foi maior que o de 2016, quando 60 criminosos foram para a cadeia, em 1050 inquéritos concluídos. De acordo com especialistas em Segurança Pública, o grande problema, não só com relação a abusadores, mas a todos os demais tipos de crimes é a legislação, que é fraca. E Pazolini endossa o discurso.

“Como a regra no processo penal é a liberdade, prender antes do trânsito em julgado é excepcional. Existe uma necessidade de atualização, de modernização do texto legislativo, sobretudo para possibilitar que a sociedade tenha mais proteção. A nossa regra é ‘não prenda no trânsito em julgado’. O poder judiciário tem sido sensível, tem atuado no dia a dia, as penas são elevadas, o número de prisões é grande, mas a lei engessa. A discussão do STF com relação à prisão em segunda instância entra nisso também”, explica o delegado.

Abusadores próximos

De acordo com dados da DPCA elucidados pelo delegado, mais de 90% dos abusadores são pessoas próximas à família ou familiares e 95% das vítimas são mulheres, a maior parte delas entre 9 e 14 anos de idade. Pazolini afirma que a maioria dos casos de abuso contra menores acontece dentro de casa ou em locais onde a criança ou adolescente convive com o abusador. “O abusador não pula muro, geralmente não quebra cadeado, não derruba porta. Está dentro de casa”. Na maioria dos casos, o abusador é o padrasto da vítima, segundo o delegado.

Uma em cada quatro meninas

A psicóloga e pesquisadora da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), Danielly Bart, afirma que, de cada quatro meninas, uma é abusada. Ela explica que os abusadores não sofrem necessariamente de distúrbios. “A maior parte da violência não é causada por pessoas que têm transtorno pedofílico, até porque a prevalência desse transtorno é de 3% a 5% na população masculina”.

Segundo Bart, os fatores são diversos. “O que pode levar ao abuso sexual são fatores como uso ou abuso de substâncias químicas, lícitas ou ilícitas, algum outro tipo de transtorno psicológico, a própria cultura na qual está inserida. Por exemplo, a pessoa se percebe como detentor daquela criança. Na nossa cultura patriarcalista, machista, em que a criança se torna objeto de direito, o abusador faz o que quiser e bem entender. Há necessidade de se impor enquanto relação de poder. São vários outros fatores para além dos transtornos”.

O abusador atua a partir da facilidade do acesso à criança. Por isso, como esclarecem os dados da DPCA, a maioria dos abusos acontece dentro de casa. “Tendo o acesso facilitado e, hierarquicamente estando acima da criança, é muito mais fácil manter o silêncio por meio de ameaças e uso da força. E a criança teme ser castigada ou ter alguém próximo, de quem gosta muito, sendo castigado, pois as ameaças são contra pessoas que a criança gosta também. Então tendo essa criança dentro do domínio, tendo fácil acesso, o agressor pode optar por essa criança. Por isso o abuso acontece dentro do âmbito familiar: é privado, tem acesso facilitado e o agressor consegue se cercar para manter a situação”.

Subnotificação de casos

A subnotificação de casos de abuso sexual de menores ocorre tanto em relação ao gênero quanto em relação às camadas sociais. De acordo com Lorenzo Pazolini, há subnotificação entre as camadas mais elevadas da sociedade.
“Nas regiões mais vulneráveis socialmente, as pessoas não têm acesso a psicólogo privado, a assistência privada. O equipamento público é o único de que dispõem para serem atendidos e esse fato, assim, acaba chegando ao conhecimento da polícia”, explica.

A psicóloga Danielly Bart explica que a configuração do ambiente privado nas camadas mais altas permite que os casos sejam tratados com uma privacidade muito maior, evitando que o caso chegue à polícia, e resolvendo-o com ajuda profissional especializada. “Na classe média alta o ambiente é muito mais privado. Nas classes populares as casas são menores, com menos cômodos, mais próximas. Se o abuso ocorre, a fiscalização é mais fácil de acontecer, pois a família convive em grande número de pessoas em um pequeno espaço, o vizinho é mais próximo e o caso é levado às autoridades. Isso não acontece com famílias que têm casas mais protegidas ou prédios com poucos apartamentos por andar”.

Bart afirma também que existe grande subnotificação entre meninos. Se, na DPCA, 5% dos casos envolvem meninos, a psicóloga informa que de cada seis meninos, um já foi abusado.

“Casos contra meninos são subnotificados por colocar em xeque a masculinidade. Quando o menino sofre violência cometida pela mulher, a situação é vista como iniciação sexual. Não temos acesso a essa quantidade específica. O número de meninas que sofre violência é discrepante em relação aos meninos. Mas acredita-se que o caso de meninos abusados seja muito mais alto do que é conhecido”.

“Aumento da intensidade e covardia”

Nos últimos anos, o que mais tem chamado a atenção do delegado Lorenzo Pazolini, da DPCA, com relação ao abuso de menores é o aumento da covardia. “Alguns casos que antes não eram normais, têm assustado pela covardia. Por exemplo, um sujeito que abusava da própria filha biológica e depois gravava. Houve um aumento na intensidade e na covardia, e penso até que ponto o ser humano é capaz de fazer mal alguém próximo”, desabafa.

Para a psicóloga, além da responsabilização do agressor pela Justiça, com a punição correta, é preciso submetê-lo a tratamentos, visando sua reabilitação. “Acreditamos no tratamento. Nas questões culturais, como o patriarcalismo e o machismo, na forma de se pensar a esse respeito é preciso fazer uma reflexão e a educação pode fazer muito efeito.

Temos que tratar mais disso, falar das consequências na vítima. Fazer uma reflexão sobre mal que está aplicando à outra pessoa. Esse tratamento passa pela educação e reflexão, sim! Tem outras questões envolvidas, como transtornos psiquiátricos ou uso e abuso de drogas, e existem tratamentos nessas áreas também. Acredito que é possível oferecer aos agressores tratamento e cuidado nas áreas da saúde para prevenir casos de violência sexual. Precisamos tratar, além de punir”.

Isolamento e agressividade são consequências

De acordo com Danielly Bart as consequências do abuso para a vítima podem aparecer imediatamente após a violência ou durante o tempo que sofrem a violência. “Imediatamente pode acontecer isolamento, diminuição da comunicação, a vítima pode se tornar agressiva ou muito introspectiva. Pode ter brincadeiras e comportamentos sexualizados, comportamento autodestrutivo, dificuldade de controle, ataque de raiva, transtorno de stress pós-traumático”, afirma.

Ao longo da vida, as consequências podem permanecer e se transformar em “transtorno de humor, dificuldade de satisfação sexual, comércio sexual, abuso de drogas, compartilhamento de drogas, inclusive de equipamento contaminados por HIV”, de acordo com Bart. “Tentativas de suicídio também podem acontecer”.

Tratando a criança abusada

Danielly Bart afirma que a forma de se tratar a criança abusada é o acompanhamento psicológico aliado a uma rede de apoio montada em torno da vítima e da família.

“Não é só a criança e o adolescente que têm consequências, mas família toda fica muito sensível. Precisamos ter políticas públicas de atendimento psicológico e psiquiátrico e envolver outros profissionais da saúde que tratem as demais consequências, pois podemos estar falando de traumas físicos, gravidez, DST… então temos que envolver o maior número de profissionais possíveis após fazer avaliação do caso”, explica.

A ciência da responsabilização e punição do agressor pode trazer confiança e segurança à vítima. “Realizar ocorrência, fazer denúncia e a responsabilização do agressor por profissionais da área jurídica, traz a sensação de justiça feita para a vítima. Isso também tem efeitos psicológicos. É um avanço que precisamos dar, que é conseguir elevar as estatísticas de responsabilização dos agressores”.

Pazolini explicou que, logo após a detenção do suspeito de abuso, a vítima recebe atendimento de equipe multidisciplinar na delegacia, com psicólogos e assistentes sociais. “A partir daí vai ser verificado se tem familiar próximo ou pessoa de confiança que possa provisoriamente ficar responsável por ela. Se não tiver, vai para abrigos e, posteriormente para adoção. Geralmente surge a família extensa ou estendida, e tem alguém com aptidão e que quer ajudar”.

“Está na porta de todo mundo”

O delegado admite que, infelizmente, o abuso sexual é um problema que se tornou cotidiano. “É um problema real que está na porta de todo o mundo e que, se não tem alguém que não foi vítima, com certeza tem alguém que essa pessoa conhece, que foi vítima. É algo que existe, é real, e que para ser evitado é fundamental manutenção do diálogo, conversa e orientação. O que tem acontecido é que pessoas ignoram, é tabu, e não conversam. Essa é a pior escolha porque há o desconhecimento da atuação do abusador. Tem que ter diálogo, orientação e acompanhamento. Tem que ter relação de proximidade e conversa”.

De acordo com a psicóloga, todas as recomendações de Pazolini devem ser observadas, principalmente porque existe uma dificuldade da criança ou do adolescente que foi abusado em revelar o acontecido.

“Precisamos estar atentos, pois as crianças são tratadas como se estivessem fantasiando, criando histórias, e muitas vezes isso é muito real. Porque ela tem muito medo da pessoa que pratica a violência, medo da punição e das pessoas não acreditarem nela. O agressor fala para a criança que ninguém vai acreditar nela, e essa criança tem muito medo dos efeitos que isso pode ter na família, prisão do agressor, sofrimento das pessoas envolvidas. Se sente responsável, culpada”, afirma a psicóloga.

E completa: “Se o abusador chegou e a criança ou adolescente não interpretou como violência, mas como carinho… Muitas vezes é assim e a criança gostou no início, mas ela se sente extremamente culpada. Isso dificulta essa vítima de se expressar quanto à violência, porque não sabe que é errado, e fica constrangida. Muitas vezes as pessoas questionam a vítima em relação a isso”.

Prevenção: cultura de combate

De acordo com a psicóloga Danielly Bart, pesquisadora da UFES, para prevenir a ocorrência do abuso sexual é preciso falar em uma cultura de combate à violência.

“É preciso que aconteça o cumprimento e a revisão da legislação sobre violência e presença de redes de apoio social que possam ter pessoas e instituições engajadas no combate a essa violência. É preciso ter profissionais treinados para perceber essa violência. Ter uma educação voltada a essa situação que abranja todos os níveis de escolaridade desde a infância, para ensinar a identificar a situação, ensinar sobre a necessidade de falar e sobre os profissionais que estão abertos a receber essas demandas”.

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